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Foto: Arquivo pessoal – Fabio Lisboa e seu bebê, aos 8 meses, desenvolvendo comportamento leitor e afeição pelos livros e pela leitura compartilhada. |
por Fabio Lisboa
A mediação de leitura desde o berço - no meu caso, ou melhor, de meu filho, desde o útero – a partir do quinto mês o bebê começa a reconhecer os sons externos e, ao longo dos próximos meses, vai distinguindo a voz das suas figurinhas preferidas, as figuras de apego como o pai e a mãe ou quem mais conversar, se aproximar e, muito em breve, cuidar de perto deste maravilhoso ser em formação. Bem, na verdade, independentemente de ter ou não o aparelho auditivo desenvolvido, na verdade, eu e minha esposa começamos a falar de amor com o nosso bebê desde que era embrião. Já do lado de fora, com o passar dos anos (ou meses, pois um nenê com nove meses, se for iniciado antes, já tem coordenação e interesse em virar as páginas dos livros e emitir sons correlatos ao que entende da história – bem, não necessariamente os sons que os mediadores esperam que faça, como imitar os personagens animais mas, ainda assim, sons divertidos e um blablablar envolvente) enquanto mexe o corpo e as mãos tentando segurar um livro aberto de frente para os olhos e começa a “ler o mundo” que se lhe apresenta ali. E como bem disse Paulo Freire – ainda que num contexto diferente, mas pertinente aqui - “a leitura de mundo precede a leitura da palavra” e é isso que concretizamos desde cedo com nossos “bebês leitores”.
Todavia, ainda que ame a concretude de manipular, virar as páginas, “ler” e um dia, de fato, imitar com perfeição os sons dos personagens - dependendo da obra, apertar botões que emitem sons, fazer aparecer abas ou pop-ups – e mesmo antes de falar, ao se fazer entender e pedir para os pais lhe lerem uma história, o bebê não está interessado só no desfrute de sua relação com o objeto livro, pois ele sabe que ganha também, com a leitura deste, o grande prazer de sua relação com quem lhe lê a história. O(a) pequeno(a) percebe a dedicação plena de sua figura de apego, o amor, a palavra, a prosódia, as entonações, descobertas e encantadoras nuances de uma narrativa em voz alta lida de perto por quem mais o bebê ama e sente o amor correspondido! O ouvinte ganha, com isso, a sua própria história de amor e desenvolvimento sendo, ao mesmo tempo (e além do tempo), contada e vivida. Vivida e (re)contada. E assim por diante, até o cair da noite e o se perder no tempo.
Pois quem aprender a ter livros (e-ou histórias contadas, mediadas e-ou dialogadas oralmente) como mediadores de afeto começou bem, aprende a ver (e imaginar) estrelas até nas noites encobertas, descobre que pode manipular a linha curta ou comprida do tempo e do espaço (do berço para o mundo e do tempo cronológico para o do “era uma vez..”) e sente que nunca mais estará sozinho na vida.
Assim, a criança começa, desde cedo, desde sempre e para sempre, a se apaixonar pelo seu próprio mundo, tanto real quanto imaginário e não tem medo (nem preconceito) em conhecer outros mundos. Aprende a escutar. Dialogar. Vive imbuída em empatia e começa, no seu tempo, a se expor com paixão, racionalidade, sentido, altruísmo, compaixão. Entende melhor os começos, meios e fins da história e eternos recomeços dela – e da vida. E nunca mais deixa de imaginar que - em nossa breve passagem ajudando a humanidade a escrever a nossa história – pode também ajudar na concretude de um mundo (imaginativo, ativo e real para si, para o outro e para o planeta) cada vez melhor.
Agora imagine que restrita esta história de “meu filho não gosta de ler” e que possa estar sendo, ainda que involuntariamente, desencadeada pelos próprios pais que, em vez de darem voz e luz ao imaginário infantil para que cresça e apareça, por necessidade (ou praticidade), se esquecem das histórias, da escuta, do diálogo, do brincar e, em vez disso, usam o celular (ou outras telas) na frente das crianças, desde bebês, e até os deixam manipular (e invariavelmente ser manipulados por eles), ouvir músicas, vídeos, jogar jogos e por aí vai.
Claro que, neste caso, a mediação de afeto é feita pelas telas multicoloridas com, ao nosso ver - dentre grandes e inúmeros - o gigantesco problema: as imagens e sons já vem prontos para serem consumidas. Vorazmente. Numa velocidade cada vez mais estonteante. E numa história contada por meio de telas não há muito espaço para o imaginário se desenvolver. Só há entretenimento. Pouco enriquecimento - como o cultural, cognitivo, social, psíquico e até motor que a mediação de leitura proporciona desde o espaço do berço. Assim, o tempo se esvai no vazio e até o que devia ser sólido e duradouro (como a memória da tradição oral dos povos e a construção de diálogo com os progenitores) se desfaz no ar.
Então, o primeiro passo para ajudar o bebê - a criança (e mesmo o adulto) - a enriquecer o seu tempo e desenvolver o seu imaginário é desligar telas e abrir um livro (e com ele, abrir o coração) para a mediação de leitura (e com ela, abrir os ouvidos para ouvir e contar histórias). E com elas (as histórias) - e suas sementes de transformação - abrir a mente para a memória e a imaginação, abrir os braços para o outro (sem importar de onde seja oriundo), abrir os olhos (janelas da alma) para o mundo.
O segundo passo para aproveitar o nosso tempo com criatividade e habilidade é ler as histórias com dedicação e afeto, tornando assim mais concretos o amor, a paz, a união, a cooperação e ver que a gente é capaz de semear e fazer florescer a cultura de paz e a sustentabilidade.
Pra que tudo isso (que não é pouco) germine (e nunca mais termine) o terceiro passo - e daí em diante pela vida - é nunca deixar de aprender a contar histórias em nossa jornada (caminhando no sol ou na chuva, correndo ao vento ou cambaleando de bengala). Mas como? As respostas são muitas e aqui neste texto (e no blog Contar Histórias) buscamos, juntos, algumas como: “mediar leitura, ler ou contar histórias”? Teatralizar e oferecer elementos (expressão corporal, vocal...) ou simplesmente ler ou contar de forma mais neutra?
Um dos pilares para se contar histórias, para o mestre contador americano radicado no Canadá, Dan Yashinsky, é sustentado na premissa de que, quando um personagem (como a bruxa) grita na história, o contador, não. Ou, ao menos, não necessariamente. Pois, assim, o narrador daria menos espaço para o ouvinte imaginar.
Em certo contraponto ao que foi dito, podemos ter em mente que, para toda a regra há exceção (talvez menos para esta – a da exceção, não da contação de histórias, na qual, como o próprio Yashinsky preconiza: quanto mais formos nós mesmos e fugirmos de regras e receitas, melhor).
Ou seja, sem dúvida que os bebês vão, aos poucos, construído - com a ajuda das figuras de apego e mediadores de afeto - o seu repertório imaginário e o que for feito no mundo real, palpável e audível os ajuda nesta construção. Visto isto, eles amam as risadas, as interjeições e brincadeiras vocais do narrador - reproduzindo em alto e bom som - a bruxa, o mago, os animais, as crianças, adultos, bebês, ele mesmo ou quem (ou o que) for. Por isso, no nosso entender - em especial, nestes primeiros passos na caminhada da vida - estas intervenções vocais e físicas (propondo a interação e movimentação do interlocutor, inclusive) são, sim, muito desejáveis e necessárias.
Entretanto, concordamos com o nosso mentor das terras geladas que o contador pode e deve escolher, no decorrer da odisseia do ouvinte (e da narrativa) - como faz o mestre zen - os bons momentos de falar e os momentos, muitas vezes melhores ainda, de silenciar, propiciar uma sensação de paz (ou de suspense) e apreciar o silêncio. E com a aparente quietude sonora e o mistério no ar, deixar a imaginação do ouvinte-leitor fluir eloquente, rica e livremente, tendo o(a) narrador(a) e a história - o mistério e a revelação, o conflito e a paz, a eloquência e o silêncio, o átomo e o universo das línguas - como mediadores de afeto (e concretizadores de sonhos) em noites repletas de estrelas e possibilidades...
A noite estrelada, enluarada e tranquila estava perfeita para um passeio ao redor da lagoa próxima ao templo.
Após caminhar um pouco, ao lado do silencioso mestre, o discípulo comenta:
- Que silêncio!
- Não diga “que silêncio”, diga “não escuto nada”.
Leia a continuação da história e, sempre que achar bom (como num comentário e reflexão sobre o afeto, a mediação, a história ou o que for) rompa o silêncio...
http://www.contarhistorias.com.br/2025/04/historia-que-silencio.html
Referências:
Por que contar histórias para bebês, crianças e adultos: Um novo paradigma para a humanidade*
http://www.contarhistorias.com.br/2016/08/porque-contar-historias-para-bebes.html
Como começar uma história
http://www.contarhistorias.com.br/2013/08/como-comecar-uma-historia.html
Cultura de paz nasce antes do nascimento
http://www.contarhistorias.com.br/2010/06/cultura-de-paz-nasce-antes-do.html
Desenvolvimento dos sentidos e os bebês: saiba quando o bebê começa a ouvir, sentir e enxergar
https://quindim.com.br/blog/desenvolvimento-dos-sentidos/
Babies Start To Develop a Sense of Humor as Early as 1 Month, Study Shows https://www.parents.com/news/study-shows-babies-have-a-sense-of-humor-at-one-month/
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