Por Fabio
Lisboa
Era
uma vez um contador de histórias que não sabia como começar um conto. O seu
maior medo era lhe deixarem no meio da fala, falando sozinho. Terminar era
fácil, só por ponto final e pronto. Silêncio. Fim. E depois do fim, quem sabe
um pedido: “conta outra”. Conto, claro, mas como começar uma nova história? Como
começar sem que ninguém desista de ouvir antes do meio e arranje um meio de não
chegar até o fim?
Esta
é um das grandes lutas de quem se propõe a contar uma história. O título e os
primeiros momentos de um conto podem definir se os leitores (ou ouvintes) vão deixar
a narrativa (e o narrador) pra lá ou se interessar e chegar ao fim da história cheio
de elucidações, indagações e lembranças.
Na luta entre um
texto marcante e o seu leitor, revela o escritor argentino Júlio
Cortasar, “o romance ganha sempre por
pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute."[1]
Recebendo um Voto de Confiança
Os
primeiros minutos de um longa metragem na TV são decisivos para o expectador se
engajar na trama ou mudar de canal. Já o leitor de um romance pode passar dezenas
(ou centenas) de páginas até se deixar conquistar de vez. Então ao ler um
romance, o leitor agracia o autor com um voto de confiança, dando-lhe um tempo,
contando com a sua habilidade de encadeamento de ideias para que se construa o
interesse em sua obra.
No
conto não há muito tempo. A paciência do leitor é menor. Na literatura infantil
também não há fartura de paciência. Nas primeiras linhas e parágrafos o
interesse e engajamento já devem ser criados senão o livro será fechado antes
do tempo.
Todavia,
se o livro for narrado em voz alta - seja por um familiar, professor ou
profissional da palavra - a paciência do ouvinte tende a ser um pouco maior.
Analogamente
ao voto que o romance recebe de seus leitores, o contador de histórias também
recebe um voto de confiança de seus ouvintes. Ávidos por uma boa narrativa e
por contato humano, serão condescendentes com pequenas delongas e não mandarão
o contador fechar a boca tão rápido quanto fecham um livro infantil desinteressante.
Mas
para “nocautear” os ouvintes logo no começo, deixando-os inebriados e à mercê
do restante do conto, além da força das palavras inicias é preciso acariciar os
seus ouvidos, deixando a competição de lado, fazendo da luta competitiva por
atenção um jogo cooperativo de relações.
Criando uma Relação de Proximidade
Além
de contar com a reação imediata do público para adequar a sua fala (e escuta) até
que surja uma forte conexão narrador-ouvinte-trama, o contador tem a vantagem
sobre o escritor de poder criar um clima propício à narrativa não apenas com
palavras. Uma música, dança, imagem, objeto, expressão corporal e até mesmo o
silêncio podem chamar a atenção para o começo do conto e para o que está por
vir.
De
todo modo, as primeiras frases que o narrador escolhe dizer podem ajudar e
muito a criar coerência e interesse para a história que irá contar. Pode ser
uma fórmula consagrada como “Era uma
vez...” ou ‘No tempo em que os
animais falavam...”. Uma palavra intrigante cujo contexto será dado antes da
contação de histórias ou mediação de leitura começar. Uma curiosidade
científica relacionada ao tema. Algum tipo de relação pessoal com a situação vivida
pelos personagens ou com o livro.
Como
vemos, não há um molde para definirmos como se começa bem. Cada história, cada
vivência de quem a conta e cada referência de quem escuta é que vai delinear o
melhor jeito de se começar.
Portanto,
a história, e acima de tudo, a relação
próxima do contador com a história e com a sua audiência é que deve
conduzir a escolha das primeiras ações, expressões e/ou palavras que irão
“entrar em cena”.
Para
ilustrar como tornar real esta relação (de proximidade do contador não só com a
história mas com o ouvinte/leitor), selecionamos seis aberturas de textos de
autores que se aproximaram de fato do universo infantil ao escrever suas obras.
Autores que criaram uma linguagem tão lúdica e criativa que torna-se instigante
para leitores e ouvintes de qualquer idade.
Vejamos
como estes autores conseguem criar, com poucas palavras iniciais, verdadeiras relações de proximidade conosco.
Refletir
sobre como se começa um história é refletir sobre como estes mestres da palavra
nos atraem irresistivelmente neste e naquele começo a querer descobrir mais e
seguir em frente em suas (que, por algum motivo, logo se tornam nossas)
narrativas.
Começando uma
historia
A galinha que criava um ratinho
Lá
em cima daquele morro tem uma casinha branca, com teto de sapê. É tão pequenina
que nem dá pra ver daqui. Mas eu sei que tem, porque quando eu era pequena,
assim que nem você, minha mãe me disse que tinha, e me contou a história que
tinha acontecido nessa casa. Uma história que minha avó contou pra ela e eu vou
contar pra você.
Ana Maria Machado[2]
O moço que não queria morrer
Um
jovem viajante andava pelas estradas do mundo. Certa tarde, arranjou um lugar
debaixo de uma árvore e sentou-se para descansar.
Um
vulto apareceu, só Deus sabe de onde.
O
moço puxou assunto com o recém-chegado. Conversa vai, conversa vem, descobriu
que aquele vulto era a morte.
Ricardo Azevedo[3]
O sobrinho do mago
Capítulo
Um: A porta errada
O
que aqui se conta aconteceu há muitos anos, quando vovô ainda era menino. É uma
história da maior importância, pois explica como começaram a idas e vindas
entre o nosso mundo e a terra de Nárnia.
C. S. Lewis[4]
A troca e a tarefa
Eu
tinha 9 anos quando a gente se encontrou. O Ciúme e eu. Era verão. Eu dormia no
mesmo quarto que a minha irmã. A janela estava aberta.
Lygia Bojunga[5]
A escola de magia
Como
tenho absoluta certeza de que meus jovens leitores se interessam muito por tudo
o que diz respeito à escola (ou será que não?), quero contar agora como são as
aulas do Reino dos Desejos.
Conforme
contam muitas histórias e contos de fada, o Reino dos Desejos é uma terra onde “desejar
pode servir para alguma coisa”. Aliás, esse reino não fica tão longe do nosso
mundo do dia-a-dia quanto pensa a maioria das pessoas; mesmo assim, é bem
difícil chegar até lá.
Michael Ende[6]
A fada que tinha ideias
Clara
Luz era uma fada, de seus dez anos de idade, mais ou menos, que morava lá no
céu, com a senhora fada sua mãe. Viveriam muito bem se não fosse uma coisa:
Clara Luz não queria aprender a fazer mágicas pelo Livro das Fadas. Queria
inventar suas próprias mágicas.
Fernanda Lopes de Almeida[7]
E
assim o contador foi pondo um fim no seu medo e foi começando, tecendo
relações, tornado suas as palavras alheias, trazendo pra perto os reinos encantados
e, de vez em quando, inventando suas próprias poções mágicas de palavras.
Ora,
falando em tecer conexões, por que você não conta agora quais os seus começos
preferidos ao contar histórias e ler livros? Gostaria de ajudar os leitores a criarem
relações próximas com algum de seus textos favoritos? Usa a magia literária de
autores consagrados ou inventa suas próprias palavras de encantamento? Quer nos
contar o começo de uma história que o seu avô lhe contava e que um dia vai
contar aos seus netos?...
Era
uma vez..?
[1] “la novela gana siempre por puntos, mientras que el cuento debe ganar
por knockout.”- "La casilla de los Morelli" -
Página 138; de Julio Cortázar, Julio Ortega - Tusquets, 1981.
[2] MACHADO, Ana
Maria – Histórias à brasileira: A Moura
Torta e outras – recontadas por Ana Maria Machado; ilustradas por Odilon
Moraes – São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002, p. 63.
[3]
AZEVEDO, Ricardo – Contos de enganar a morte / [narrativas populares,
recolhidas e recontadas por] Ricardo Azevedo;[ilustrações Ricardo Azevedo], 1ª
ed,, São Paulo: Ática, 2005, p. 35.
[4]
LEWIS, C. S. (1898-1963) - As
Crônicas de Nárnia / C. S. Lewis; ilustrações de Pauline Baynes; tradução Paulo
Mendes Campos e Silêda Steuernagel; revisão da tradução Silvana Vieira – São
Paulo – Martins Fontes, 2005, p. 11.
[5]
BOJNGA,
Lygia – Tchau / Lygia Bojunga; ilustrações de miolo, Regina Yolanda; capa,
Roger Mello – 15ed. – Rio de Janeiro: Agir, 2000, p. 51.
[7]
ALMEIDA, Fernanda
Lopes de - A fada que tinha ideias / Fernanda Lopes de Almeida; ilustrações Edu
– 28ed. – São Paulo: Ática, 2007, p. 7
1 comentários:
Adorei este blog, pois iniciarei um projeto de leitura para meu tema de TCC e vai ser muito útil visita-lo. Continuem sempre assim com novidades! Atenciosamente, Rita.
Postar um comentário