Eu
e meu irmão menor fazíamos os preparativos para a travessia de um deserto quase
intransponível. Este deserto começava no quarto de costura de minha avó e se
estendia pelo corredor até a sala de estar.
Era
1983, eu tinha 8 anos e o Gu, meu irmão Augusto, 5. O nosso deserto tinha uns
10 metros no total. Todavia, na época, esses 10m adquiriam proporções colossais
pois circulávamos inúmeras vezes pelo trajeto. Além disso, criávamos obstáculos
e íamos vencendo a travessia, escalando morros de almofadas amontoadas no
corredor, adentrando uma caverna debaixo da mesa da sala e atravessando a ponte
do sofá de molas por cima de um caldaloso tapete escorregadio, perigosíssimo,
infestado de jacarés e areia movediça - não me pergunte como os jacarés
conseguiam nadar na areia movediça, só sei que ambos conseguiam estar lá,
juntos, na nossa imaginação e, sem dúvida, no tapete da sala da minha avó.
Algumas
brincadeiras e viagens fantásticas só são mesmo permitidas na casa dos avós. E
para uma brincadeira ser mesmo fantástica, além da permissão é preciso
concentração, imaginação, cooperação e, antes de tudo, preparação.