Ao escrever sobre a saúde mental, o psicanalista-teólogo-escritor Rubem Alves constrói uma interessante metáfora dividindo o “eu” em dois:
“Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados (...).
Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas [contadores de história], humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.”
O homem não inventou nada mais simbólico do que a arte, em especial, a arte de contar histórias.
Desde os tempos do latim, arte (ars) é conexão: cada parte da história se liga a uma simbologia e cada simbologia atinge um local de nosso software mental. Todos se conectam aos personagens, mas cada um os interpreta usando os seus programas mentais, assim, a memória interna do sujeito associa as simbologias universais às suas vivências pessoais. Por isso, num grupo de crianças (ou adultos), uns sentem muito medo da bruxa, outros sentem ódio, outros compaixão.