por Fabio Lisboa
*
Trechos
do capítulo “Por que contar histórias para bebês, crianças e
adultos: um novo paradigma para a humanidade”,
escrito por Fabio Lisboa em Contação
de Histórias: Tradição, Poéticas e Interfaces,
Fábio H. N. Medeiros e Taiza M. R. Moraes (orgs.), Edições Sesc,
2016.
“É certamente
nossa aptidão para viver num mundo de representações que cria a
nossa aptidão para a violência e ao mesmo tempo para a cultura”.
“A comunicação
– em si mesma - é um processo vital, que encontra sua expressão
máxima no amor.”
Pierre Weil2
por Fabio Lisboa
Um
começo
Ao
buscar respostas para a pergunta “Por que contar histórias?”
vislumbramos a importância deste ato tanto como um direito básico -
que permitirá o acesso a outros direitos essenciais e universais -
quanto na formação de um novo paradigma para a humanidade.
Ao
contar histórias, ao viver as experiências do cotidiano,
conscientes ou não, reforçamos, refutamos ou reformulamos conjuntos
de ideias que permeiam os valores e o modo de vida da sociedade.
(...)
Como
Contar Histórias?
“O mundo muda
quando se passa a falar, e falando é possível mudar o mundo.”3
Boris Cyrulnik
Se
ele ou ela contam histórias de amor devem ser amorosos com as
palavras (e com os ouvintes), se narram sobre a escuta devem também
saber ouvir; se poetizam sobre o brincar, devem brincar com a língua
(e com as crianças também); se trazem histórias que tratam de
temas complexos como a ética ou a preservação ambiental, devem ser
cuidados em cada detalhe, da fuga dos estereótipos banais ou mesmo
preconceituosos à busca de um constante diálogo multicultural,
devem estar atentos desde o descarte do seu próprio lixo, as roupas
que usam, comidas que comem, entre tantas outras ações que estarão
explícitas (ou implícitas) em suas falas e vão determinar a
verdade (ou não) de suas palavras e a consequente força (ou
fraqueza) de suas narrativas.
Partindo
dessa constante busca do contador de histórias por tornar as suas
palavras mais verdadeiras e consequentemente viver aventuras heroicas
e prodigiosas, podemos inferir que os narradores não apenas falam de
mundos utópicos, mas somos parte vital na construção destas
utopias.
Por
que contar histórias?
Os
alicerces da utopia - As histórias e um novo paradigma para o mundo
Apesar
do eco de vozes dissonantes, fomos doutrinados a viver sob o
paradigma do êxito e da competição. Êxito sobre o outro, sobre os
animais, sobre a natureza. À luz deste paradigma, surgiu o
aprimoramento da tecnologia, da comunicação e informação
instantânea, e as facilidades da vida moderna, no entanto, o acesso
a toda esta ‘modernidade’ ainda continua precário. O resultado é
que uns competem com os outros, poucos ganham e muitos perdem. Para
que a população do planeta vivesse com as comodidades modernas
(como um brasileiro da classe média, por exemplo), seria preciso
cinco planetas Terra. Mas obviamente só temos um. E continuará
sendo só um para os nossos netos. Chegamos a uma encruzilhada
histórica, onde seguiremos um caminho ajardinado e bem-aventurado
(concebendo o futuro comum, plantando sementes férteis na terra e
nas mentes) ou por um caminho pedregoso e perigoso (pensando apenas
no agora-já individual - exaurindo a mãe terra de recursos naturais
e a humanidade de valores humanos).
Conforme
nos embrenhamos no universo de histórias valorosas percebemos que
precisamos urgentemente viver sob um novo paradigma para seguirmos
pelo caminho da preservação,
sustentabilidade e
evolução.
E o contador de histórias e o educador (e demais profissionais da
palavra) tem a chance de valorizar estas palavras e não esvaziá-las
de sentido em função de seu uso indiscriminado, irresponsável ou
mesmo enganoso.
Mas
qual é o novo paradigma que pode contemplar estes conceitos e nos
fazer viver sob uma nova ótica interplanetária? Para muito
teóricos, como Bernardo Toro e Leonardo Boff, o paradigma que
devemos buscar é o do “saber cuidar” – expressão
intrinsecamente ligada ao “amor”. Devemos usar o conhecimento
acumulado para aprender a cuidar - de si, do outro e do planeta.
O
novo paradigma ético da civilização “saber cuidar” está no
cerne dos contos e da escuta deles. O ato de contar histórias pode
ajudar a traçar os fundamentos do conceito “saber cuidar”, não
apenas compartilhando histórias sobre o cuidado e o amor (sendo a
finalidade paradigmática), bem como concretizando o ato em si (sendo
o meio paradigmático). Parafraseado Leonardo Boff: “quando
cuidamos contamos histórias e quando contamos histórias cuidamos.”.
Nesta
dança circular de palavras e afeto, as histórias contadas aproximam
tanto mãe e filho quanto desconhecidos e, mesmo diferentes, uns
aprendem com os outros. É como aprender a cirandar numa ciranda onde
dançam adultos, crianças pequenas e idosos: os mais rápidos
diminuem os passos e os mais lentos aceleram um pouco até que, cada
um cuidando de si, dos que estão ao seu lado e do ritmo musical que
engloba a todos, cedo ou tarde, o grupo encontra a sua harmonia.
Então
colocamos o amor para cirandar e ensinamos a dialogar – afinal, é
preciso aprender o momento de falar e a hora de ouvir para que o amor
circule de fato. Nesta ciranda de cuidado amoroso mútuo, neste
movimento da palavra que vem e vai dos contos, ensinamos sobre a
compreensão, até mesmo sobre a compreensão do que é diferente e
distante de nós – conceito fundamental na educação contemporânea
- sendo o “compreender” indispensável para o aprimoramento do
“saber cuidar”.
Ensinar
a Compreensão
A
germinação dos “Sete saberes necessários à educação do
futuro” definidos por Edgar Morin pode ser facilitada com o
compartilhar de histórias. Além de grande auxiliar para “enfrentar
as incertezas”, “ensinar a condição humana e a identidade
terrena”, contar e ouvir histórias são atividades fundamentais
para “ensinar a compreensão”.4
Para
compreender o outro, é necessário tentar ver o mundo com os olhos
do outro, entender o seu ponto de vista. Desde a infância da
humanidade os contos ensinam à crianças, jovens e adultos sobre
esta capacidade de compreensão, de ver a realidade com “outros
olhos” e nos maravilham com estas novas visões de mundo.
Necessidades
humanas, fontes primordiais
O
leite materno é um alimento completo para o recém-nascido (e até 2
anos ou mais – propiciando energia, hidratação, proteínas,
cálcio, vitaminas e até anticorpos). Mas o ato de amamentar vai
além do desenvolvimento físico. Pois o ser humano precisa se sentir
amado, protegido, aconchegado.
Durante
o aleitamento materno a mãe mata a fome do corpo do bebê como
também sacia a necessidade de sua alma.
O
nenê quer e precisa estabelecer um vínculo com os seres humanos que
cuidam dele fazendo destas suas figuras de apego. Um dos jeitos mais
antigos e eficientes de facilitar a criação de vínculos entre os
humanos é contando histórias.
Este
primordial “contar histórias” deve ser entendido num sentido
amplo que abrange inúmeras formas de o fazer - brincando, cantando,
dialogando, com ou sem palavras, com ou sem livro, através de
histórias fictícias ou pessoais, contadas por profissionais,
amadores, voluntários, pais, avós, cuidadores, professores.
Um
eterno recomeço
Acredito
que a nossa missão como contadores de histórias não seja somente
falar sobre os sábios, virtuosos, compassivos heróis mas também
buscar caminhar pelas estradas abertas por eles.
Nestas
vias, encontraremos muitas respostas – mas, em compensação, cada
nova resposta encontrada acarretará em novas perguntas. Logo,
podemos intuir que, por mais que andemos rumo ao conhecimento do
universo narrativo, sempre desvendaremos mais perguntas do que
respostas...
Que
perguntas farei hoje? Por que respostas procurarei? Que palavras
escolherei? Que história viverei, que história contarei? Que novo
mundo criarei?
E
sabe qual a maravilha de continuarmos sempre nos perguntando sobre
tudo isso? A maravilha é descobrir que, ao buscar respostas às
perguntas para a construção de um mundo novo, o nosso caminho rumo
a uma nova forma de pensar, narrar e viver se faz.
Fabio Lisboa
Bibliografia
Livros
Prático-Teóricos recomendados:
BEDRAN,
Bia – A arte de cantar e contar histórias: Narrativas orais e
processos criativos – Ed. Nova Fronteira, Belo Horizonte.
MACHADO,
Regina – Acordais: Fundamentos teórico-poéticos da arte de contar
histórias - São Paulo: DCL.
MATOS,
Gislayne Avelar e SORSY, Inno – O ofício do contador de histórias
– São Paulo: Martins Fontes.
YASHINSKY, Dan - Suddenly They Heard Footsteps: Storytelling for the Twenty-first Century – University Press of Mississippi.
Algumas
histórias sugeridas:
BRIGHT,
Rachel - Monstro-Amor – São Paulo: Ed. Girassol, 2012.
LISBOA,
Fabio
– O
mistério amarelo da noite - São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
LUPTON,
Hugh – Histórias de Sabedoria e Encantamento – São Paulo: WMF
Martins Fontes.
MACHADO,
Regina – Nasrudin – São Paulo: Cia das Letrinhas.
RANGEL, Alexandre - As parábolas e contos de Nasrudin: a sabedoria e a irreverência da tradição sufi contada pelo mestre mais famoso do Oriente Médio - Alexandre Rangel [Organizador] – Belo Horizonte, Editora Leitura, 2004.
Inúmeras
obras de Câmera Cascudo, Rosane Pamplona, Ilan Brenman, Fernanda
Lopes de Almeida, Monteiro Lobato, Ricardo Azevedo, Ruth Rocha,
Marina Colasanti, Ana Maria Machado, Audrey e Don Wood, Lygia
Bojunga, Irmãos Grimm, Hans Christian Andersen, Coleção Gato e
Rato, Coleção Disquinho...
Webografia:
www.contarhistorias.com.br
Postagem: Por que contar histórias para bebês e crianças?
http://www.contarhistorias.com.br/2010/09/por-que-contar-historias-para-bebes-e.html
Para se aprofundar no tema na prática:
Palestra
/ Oficina Histórias como Alimentos Afetivos
O
que faz o ser humano ter fome de ouvir histórias? Por que, ao contar
historias, nutrimos as crianças de afeto? Como as histórias
podem propiciar um ambiente acolhedor desde o berço?
Fabio
Lisboa aborda estas perguntas partindo de respostas adotadas em
Reggio Emília e das pesquisas do especialista em afeto, resiliência
e narrativas, Boris Cyrulnik, usando sua prática de educador e
narrador, contando e ouvindo histórias nesta palestra ou oficina.
Leia uma introdução ao tema na seguinte postagem no Blog Contar
Histórias: “Por
que contar histórias para bebês e crianças?”
Duração:
Palestra-Oficina=1:30 hora | Oficina = 4 horas.
Contar
Histórias: Olhar para a Empatia, vislumbrar a Paz
Apesar
de haver a percepção de que vivemos numa “cultura de competição
e de guerra” na qual a empatia é ignorada, nosso propósito é
mostrar que a realidade pode ser outra. Mas como e por que o ato de
contar histórias pode contribuir para o desenvolvimento da empatia e
a formação desta outra realidade, de uma cultura de paz?
Nesta
palestra-oficina, buscaremos respostas a estas duas perguntas e nos
aprofundaremos no estudo e prática da empatia, a capacidade de se
colocar no lugar do outro, através de um olhar para:
1:
Teóricos das ciências humanas e biológicas (Boris Cyrulnik, Frans
de Waal).
2:
Relatos e reflexões pessoais (do palestrante e de alguns
participantes que se interessarem em compartilhar suas experiências).
3:
Contos propriamente ditos (técnicas de contação de histórias, de
mediação de leitura e de brincar de contar histórias).
Duração: Palestra = 1 hora | Oficina = 4 horas.
1
CYRULNIK, Boris –
Alimentos afetivos: o amor que nos cura – tradução: Cláudia
Berliner 2ª edição, São Paulo: WMF Martins Fontes 2007, p. 117.
2
WEIL, Pierre – A arte de viver em paz: Por uma nova consciência,
por uma nova educação – tradutores: Helena Roriz Taveira, Hélio
Macedo da Silva, São Paulo: (Ed. Gente - 1ª edição 1993) UNESCO
2002 p. 43.
3
CYRULNIK, Boris –
Os patinhos feios – tradução: Mônica Stahel 1ª edição, São
Paulo: Martins - Martins Fontes 2004, p. 116.
4
Segundo os estudos
da mestra de contadores de histórias e pesquisadora Gislayne Avelar
Matos “na sociedade da tradição oral, a ‘palavra’ do
contador de histórias foi o meio para a transmissão desses
saberes. Lançar mão novamente desse meio é reconhecer que não
precisamos sempre partir do marco zero” - MATOS, Gislayne Avelar –
A palavra do contador de histórias: sua dimensão educativa na
contemporaneidade – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005, p. 182.
* Trechos do capítulo “Por que contar histórias para bebês, crianças e adultos: um novo paradigma para a humanidade”, escrito por Fabio Lisboa, dentre os capítulos de outros autores (Gislayne Avelar Matos, Ricardo Azevedo, Regina Machado, Daniel Munduruku, Amadou Hampâté Ba, Rubem Alves, Arianao Suassuna, entre muitos presentes no livro): Contação de Histórias: Tradição, Poéticas e Interfaces, Fábio H. N. Medeiros e Taiza M. R. Moraes (orgs.), Edições Sesc, 2016.
Para comprar a obra Contação de Histórias: Tradição, Poéticas e Interfaces, Fábio H. N. Medeiros e Taiza M. R. Moraes (orgs.), Edições Sesc, 2016:
Para ler trecho on-line:
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