Imagem do filme Príncipes e Princesas (1989-2000) de Michel Ocelot |
por Fabio Lisboa
Se a silhueta é metáfora útil para o narrador oral, a animação “Príncipes
e Princesas” (série de TV francesa de 1989 – relançada em 2000 em formato filme),
de Michel Ocelot, ilustra bem o poder imaginativo que o uso desta suscita.
O filme consiste em histórias curtas (quatro originais e dois
recontos) que se passam na atmosfera dos contos de fadas. A técnica que Ocelot
- autor de Kiriku e a Feiticeira – escolhe para contar as histórias é a do
Teatro de Sombras.
Com o uso desta técnica, o autor e diretor da animação faz com que
os personagens sejam retratados como silhuetas e, dessa forma, permite ao
expectador que participe ativamente do imaginário da obra, por exemplo, quando
quem assiste ao filme imprime seus contornos pessoais aos sentimentos dos
protagonistas ao conceber as expressões faciais dos mesmos – embora a chance de
participação vá muito além de vivificar, com o pensamento, as sombras que
recobrem os rostos insinuados.
Como um experiente contador de histórias, o francês Michel Ocelot
convida o expectador a adentrar o campo imaginativo de sua narrativa e a participar
da mesma de muitas formas. A entonação das vozes, a ambientação sonora, as
trilhas musicais, a estética dos planos de fundo nos ajudam a traçar, como que
em parceria com o autor, as emoções da trama. Os diversos pontos de vista de
sua câmera, os variados focos narrativos são convites para que imaginemos as
histórias como se fôssemos este ou aquele personagem.
Entretanto, um recurso interativo convidativo que nos salta aos
olhos é a introdução que o autor francês cria para cada história. Nesta fase,
antes da história propriamente dita, três personagens contemporâneos (ou
futuristas) - um menino, uma menina e um velho - começam a ter ideias,
pesquisar e escrever sobre tradicionais personagens dos contos de fadas, assim,
o enredo vai surgindo a partir destes elementos e, logo, os pensamentos dos
três começam a ganhar vida.
“E se houvesse uma bruxa nesta história? E se o castelo dela fosse
intransponível? E se cavaleiros nobres e pobres tentassem de todas as formas
entrar até que, quem entrasse e derrotando a bruxa, se casaria com a
princesa... Ótimo, e um dos cavaleiros seria humilde, mas confiante, só tendo
como arma uma adaga!”
No episódio Bruxa, somos convidados a pensar se um dia
conseguiremos vencer a violência... Mesmo num mundo violento, e se fosse
possível imaginarmos e vivermos numa cultura de paz?
E não é com perguntas, possibilidades e um convite a entrar no
fantástico mundo da imaginação que um narrador tradicional introduz muitas de
suas narrativas?
Ao apresentar suas ideias como um legítimo narrador oral, o
cineasta também se torna um mestre do “E se...”. Um mestre que cria uma obra em
conjunto com seus interlocutores, onde as perguntas são traçadas pelo primeiro
mas as respostas não vem prontas para o segundo.
As respostas, nos contos cuja beleza é sutil e duradoura, vêm em
formas de silhuetas. Cabe ao expectador – ou ouvinte, ou leitor - delinear e
decifrar as imagens encantatórias e palavras mágicas de um verdadeiro contador
de histórias.
Ao perceber estas misteriosas e fantásticas palavras-imagem tornando-se
vivas em nós, vislumbraremos que, mesmo em meio ao clarão dos tempos, ainda há
espaço para traçarmos o belo a partir da penumbra de nossa própria imaginação.
por Fabio Lisboa (www.contarhistorias.com.br)
Referências
Trecho
do filme apresentado pela Profa. Ms. Ivani Magalhães e texto redigido por Fabio
Lisboa para a disciplina ministrada por ela: Psicanálise dos Contos de Fadas –
parte do curso de Pós-Graduação ISEEP Latu Sensu “A Arte de Contar Histórias:
abordagens poética, literária e performática”, coordenado pelo Ms. Giuliano Tierno de Siqueira.
Imagem/Filme:
Príncipes e Princesas (1989-2000), de Michel Ocelot (título
original da série para a TV francesa realizada em 1989): “Cine si”, cuja tradução literal é Cinema
“Se”. Título original do filme (compilação de episódios feita em 2000): “Princes et princesses”.
Livros:
Bettelheim, Bruno, A Psicanálise dos Contos de
Fadas - Tradução de Arlene Caetano – São Paulo: Editora Paz e Terra, 16a
Edição, 2002
Matos,
Gislayne Avelar – A palavra do contador de histórias: sua dimensão educativa na
contemporaneidade – São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2005.
Posts Relacionados:
Contos de fadas e a palavra
do contador de histórias: Silhuetas no clarão dos tempos (parte 1 de 2)
(http://www.contarhistorias.com.br/2013/03/contos-de-fadas-espelhos-magicos-da.html)
2 comentários:
Lindo o seu texto. Onde consigo assistir o filme francês? Fiquei na maior vontade!
A gente tem uma conversa das mais profundas entre inconscientes e lá o mundo da magia é a concretude. São conversas entre símbolos e significados, entre sensações e sentimentos. É nesta conversa que nos deleitamos e simultaneamente a nos reinventamos. É uma conversa delicada e sutil, mas profunda! Neste lugar dos verdadeiros não se admite a crueza da realidade, ela se cozinha em caldeirão de bruxa e farfalhar de asas de fadas. Somos mais, bem mais que os instantes conscientes do dia-a-dia, graças a DEUS!
Comentário metafísico é pouco hein, Carla, viajei com vc nas possibilidades de significados e sensações, muito bom!
Quanto ao filme, eu importei pela Amazon uma versão narrada em Francês (com legendas em inglês,rs), sei que existia uma edição do filme em português (poi a Ivani Magalhães nos apresentou assim) mas não consegui achar em lugar nenhum e acredito que por enquanto está esgotada, vamos ver se os fornecedores fazem novas cópias! Enquanto isso não se concretiza, nos meus cursos, vou fazendo a tradução simultânea, hahaha, bjs!
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