Capa e ilustração de Bruna Assis Brasil
em Branca de Neve e as Sete Versões.
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Em
seu livro “Branca de Neve e as Sete Versões” o escritor José Roberto Torero conta
que um dia a princesa acordou mais bela que a rainha madrasta. Neste dia, esta
foi até o espelho mágico e perguntou:
“- Espelho,
espelho meu, existe alguém no mundo mais bela do que eu?
E agora: O que
você acha que acontece? Se você quer que o espelho minta vá para a página 08.
Se você quer que o espelho diga a verdade, vá para a página 10.”[1]
Mas
vamos dar uma espiadinha na página 08 para ver como fica a resposta do espelho
mágico mentindo se havia alguém no reino mais bela no reino, dizendo sempre
exatamente o que a rainha queria ouvir:
“- Não
majestade, ninguém é mais bela do que vós.
O espelho
continuou mentindo todos os dias, mesmo quando a madrasta já era velha e feia.
Mas ela continuou acreditando em suas palavras, porque tem gente que acredita
em qualquer mentira, desde que seja a seu favor.”[2]
Será
que devemos acreditar cegamente no que os outros dizem? O que os espelhos
eletrônicos do entretenimento cultural (como a TV) ditam sobre a nossa
aparência e caráter? Vale a pena seguir o que nos é dito? Vale a pena mentir
para agradar o outro? Mesmo sem que perguntas como essas estejam sendo feitas
diretamente pelo narrador, o leitor engajado busca respostas.
Ao
ler um texto bem escrito ou ouvir um conto bem contado buscamos respostas às
perguntas intrínsecas ao drama dos personagens e à trama da história. Estas
questões se revestem de infinitas variações de duas perguntas essências: Quem
eu sou? Quem eu quero ser? Ambas perguntas filosóficas que podem ser entendidas
como núcleos temáticos.
Outro
conto de fadas que lida com estas duas perguntas é a história – tradicional na
Escócia – do rei que mata a todos que descobrem um segredo acerca de sua
aparência física. Será que um dia o monarca vai aceitar a sua peculiaridade e
mudar a sua personalidade?
Ao
recontar “ O Rei que tinha orelhas de cavalo” o nosso foco não será em
“deficiência físicas” e sim em “deficiências do caráter”. Por isso, inserimos
um elemento mágico - comum nos contos de fadas, claro. Trata-se de um espelho que faz crescer estas
orelhas no rei refletindo o seu “real” comportamento.
Ao começar a ver de fato o que ele representa,
talvez o rei comece a mudar interiormente e isto talvez gere uma mudança
externa.
No
post seguinte será possível vislumbrar se o rei continua ou não com orelhas de
cavalo – tanto no conto original como no reconto – e refletir o que sua lenda
medieval tem a ver conosco.
Estas
histórias centenárias, se revisitadas, revistas e recontadas, nos ajudam a
entender e assumir quem somos hoje e quem podemos ser no dia seguinte. Os contos de fada são espelhos reveladores de
nossa alma. Nos ajudam a lidar com nosso defeitos aparentes e a aprimorar
nossos talentos escondidos.
Um
conto bem construído também contribui para construir nossos valores, para refletir sobre eles e até mesmo para questioná-los.
Os nossos valores são a essência de quem somos hoje.
Ao
descobrir e aceitar quem somos temos a chance de encontrar quem podemos ser.
E
mais, estas histórias são como fachos de luz nas profundezas de nossos sonhos
esquecidos e podem iluminar o nosso caminho de encontro a quem queremos ser. Os
contos de fadas (e a literatura de um modo geral) podem nos ensinar a pensar e
a sonhar por nós mesmos – o que, sem sombra de dúvida, não é uma missão fácil
numa sociedade de espelhos de imagens prontas, em outras palavras, de opiniões
e desejos massificados e pré-moldados.
Assim,
aprendendo a caminhar por mundos fantásticos, carregando nossos sonhos conosco,
não mais caminhamos rumo ao “eu” que os outros
querem que eu seja e sim rumo ao “eu” que eu
quero ver.
Afinal,
quem disse que um rei não pode ter orelhas de cavalo e que uma rainha precisa
ser a mais bela de todas?
Quem
disse que não é possível recontar o que nos contam? E recontando, quem sabe se,
ao reconstruir o nosso modo de ver o mundo, ao olhar para os nossos espelhos
coletivos e ver mais do que aparências, consigamos enxergar a beleza das
diferenças exteriores e as semelhanças da alma.
por Fabio Lisboa
Referências
Imagem
Capa,
projeto gráfico e ilustrações de Bruna Assis Brasil in Torero, José Roberto
-Branca de Neve e as Sete Versões / José Roberto Torero e Marcus Aurelius
Pimenta; ilustrações: Bruna Assis Brasil – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Livros
Grimm,
Jacob – Contos dos irmãos Grimm / organizado, prefaciado e selecionado pela
Dra. Clarissa Pinkola Estés, tradução de Lia Wyler. Rio de Janeiro: Rocco,
2005.
Torero,
José Roberto -Branca de Neve e as Sete Versões / José Roberto Torero e Marcus
Aurelius Pimenta; ilustrações: Bruna Assis Brasil – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Gold, Joan - Spinning straw into gold: What Fairy
Tales reveal about the transformations in a woman´s life - Random House: New
York, 2006, p. 6.
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cavalo
[1] Torero, José Roberto -Branca de
Neve e as Sete Versões / José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta;
ilustrações: Bruna Assis Brasil – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 7.
[2] Torero, José Roberto -Branca de
Neve e as Sete Versões / José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta;
ilustrações: Bruna Assis Brasil – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 8.
2 comentários:
Adorei Fabio! Muito pertinente a discussão. Nas histórias de fantasia, que hoje se chamam o popular conto de fadas, a variante mítica pode mudar, por exemplo, o monstro da história, a característica do personagem, mas o importante é não perder o essencial da personagem. Por isso, a madrasta má ou o rei podem sim, ser diferentes na história contada em N maneiras, mas o seu valor e o que eles nos passam continua. Adorei a reflexão.
Interessante o seu comentário, Débora. Isto nos trazem os (espelhos) contos de fadas e textos (e comentários) sobre eles: reflexão. A partir da reflexão, leitores criticos como vc podem tentar enxergar o essencial contido nos contos e personagens, (se conseguir, nos conte, rs!), e que, ao meu ver, até este essencial às vezes pode ser mutável de acordo com os olhos de quem mira o conto, abs,
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