Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Por que contar histórias antes de dormir? (2ª parte)


Uma resposta simples e quatro ensinamentos

A resposta aparentemente simples está na 1ª parte desta postagem, cujo clima pode ser retomado quando...

(...) o estrado parava de ranger, o quarto de subir e descer, o colchão deixava de cumprir a função de pula-pula e enfim, a cama voltava a ser cama. Elástica, começava a ficar a nossa mente. Com a nossa imaginação pegando carona em camelos atravessando desertos, com crianças desbravando florestas e em foguetes indo para o espaço conseguíamos esticar pra longe o nosso olhar e ao mesmo tempo nos ver mais de perto. Ao enxergar quem éramos, a nos sentir parte de algo maior e maravilhoso, aos poucos, calmamente, dormíamos. Sim, contar histórias serve para fazer as crianças dormirem.

Mas o leitor atento já reparou que, a partir desta resposta pessoal um pouco mais elaborada, contar histórias serve, no mínimo, para ensinar mais quatro coisas:
  • Ensinar a obedecer (mesmo que seja questionando)
Quem segue uma rotina saudável e no fim do dia ouve histórias antes de um sono tranquilo vai entender a importância da disciplina, de obedecer os mais velhos e respeitar a todos.  Mas cuidado, quem ouve historias aprende a pensar por si só! As crianças que tem acesso a múltiplos pontos de vista aprendem a questionar uma obediência cega e sem sentido. Seus “bebês” vão logo se transformar em cientistas-perguntadores-de-porquês! E é bom você começar a ter boas respostas pra tudo! Os pequenos ouvintes de contos desenvolvem o que poderíamos chamar de obediência-buscadora-da-verdade. Uma obediência à verdade justa, aquela que escuta, dialoga e enxerga os diversos lados de uma questão para poder resolver um problema e entender o mundo.
Se para o poeta gaúcho Mario Quintana todos os poemas são de amor, por que não todas as histórias contadas também? Mesmo as que falam de guerra, como a milenar Odisseia, de um jeito ou de outro, estão buscando o amor de volta, mesmo que em algum momento ele pareça estar perdido. Assim é a história de Ulisses (também conhecido como Odisseu) em sua jornada de 20 anos até conseguir retornar à sua terra natal e encontrar o amor ainda vivo de sua esposa Penélope. E assim, como se não bastasse tratar do tema amor nos contos contados, o tema é de fato vivido em cada ponto narrado, pois narrar, trocar olhares cheios de sentido, ouvir e visualizar juntos o futuro é em si, um dos maiores atos humanos de amor. Parafraseando o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (para quem “amar se aprende amando”): contar histórias se aprende amando e amar se aprende contando histórias.
Contar histórias não ensina apenas o indivíduo a ter independência intelectual mas também emocional. Ao carregar narrativas maravilhosas dentro do peito pode-se abrir o coração com mais facilidade e trazer de lá a luz de mil sois. Há 10 anos contando histórias, um dos depoimentos mais emocionantes que ouço de pais que expõe os filhos a ouvirem e contarem histórias é: “meu filho está mais corajoso!” Além disso: “Eles não pedem mais para deixarmos as luzes acesas.”. “Ela pede histórias antes de dormir!”. “Ele se expressa melhor e saiu do casulo, conversa até com adultos...”. Em contrapartida, os filhos expostos a filmes de TV inadequados à sua faixa etária não conseguem dormir à noite.
  • Ensinar a sonhar (imaginando um futuro melhor)
O último dos ensinamentos é talvez o mais importante pois é capaz de englobar os anteriores. Quem aprende a ouvir, aprende a imaginar, e quem aprende a imaginar pode sonhar com o que quiser e ser o que se imagina, e ser, assim (realizando ou não todos os sonhos), mais feliz. Só o fato de se imaginar rumo à felicidade já faz o ser humano mais feliz. A alegria do sonho nos traz a coragem de atravessar as noites tristes sozinhos. O imaginar e descobrir de fato o amor, o amar e sentir-se amado nos dá um lugar aconchegante durante o sono e uma força propulsora em todas as manhãs.

E tudo isso nos leva para o começo, para uma resposta simples. Por que contar histórias antes de dormir? Depois de um dia conturbado, uma boa história nos permite aquietar a mente. E pra quem ainda carrega uma criança agitada dentro de si, para quem nunca teve oportunidade de ter pais ou avós que lhe contassem histórias, sempre é tempo de inverter o jogo e contar, você mesmo que nunca as ouviu, histórias maravilhosas.

Narrativas que podem começar com a sua própria história de quando você usava uma cama como cama elástica! Experiências pessoais simples que podem emocionar quem as viveu com você!  Experiências que, com um pouco de tempero do maravilhoso, podem virar contos fantásticos!
E se os seus pais ou avós voltaram a ser criança, eles vão adorar ouvir as suas histórias! E se não há mais tempo para fazê-los dormir um sono bom lembre-se que as histórias nos oferecem um tempo além do tempo possível.

Lembre-se de que ainda é possível escrever e contar uma história para os que já se foram. E talvez trazer de volta à vida os que precisavam ouvir esta história em vida. Afinal, talvez seja você mesmo quem precise ouvir a sua vida vivida com os que te deixaram.

O que sabemos é que quem nunca nos deixa é a nossa criança interior. Mesmo que a deixemos de lado por um tempo, esquecida, mal tratada, no escuro, sem poder pular, brincar e nem sequer dormir na nossa cama. Ela sempre volta. Mesmo que seja num pesadelo no meio da noite, cobrando sonos e sonhos atrasados! Então, na falta de sono, contar histórias serve para fazer a nossa criança interior dormir... dormir bem...e sonhar, ora!

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