Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Professores contando (suas) histórias



Essa história começa com “A tragédia dos professores enlouquecidos” mas quem seguir o fio da meada vai se perguntar, no fim, por que (e como) esta história não pode terminar assim.

Gilberto Dimenstein alerta para a “A tragédia dos professores enlouquecidos. Segundo a matéria, em “pesquisa realizada [em 2007] pela Apeoesp (sindicato dos professores estaduais [de São Paulo]) levantou (...) [que] 80% dos professores [da rede pública de São Paulo] apresentam o cansaço como um sintoma freqüente, 61% sofrem de nervosismo, 54% padecem com dores de cabeça e 57% têm problemas com a voz. Cerca de 46% deles tiveram diagnóstico confirmado de estresse.”

Professores estressados, alunos inquietos. Alunos agridem professores mental e até fisicamente. Professores revidam como podem: verbalmente, disciplinarmente e, especialmente, com notas “agressivas’.

Os professores que não querem “bater de frente” com os alunos muitas vezes assumem uma postura também prejudicial aos aprendizes (e mestres): a postura apática – de quem se conforma que os nossos aprendizes “não vão aprender mesmo”, “não vão nos respeitar mesmo” – então pergunto, pra que ensinar, mesmo?

Educadoras compartilham histórias em palestras-oficina coordenadas por Fabio Lisboa e equipe do Projeto ABC 
Insisto em refletir(mos): Pra que ensinar?


Todo professor tem (ou teria) suas próprias valorosas, interessantes e belas respostas antes de entrar de fato em salas de aula difíceis (sejam elas lotadas, barulhentas, desrespeitosas, estressantes, apáticas ou desinteressadas).

O interesse de ambos (discentes e docentes) pode ser revigorado se realmente entenderem (ou relembrarem) o “porquê” de estarem ali. A atenção é maior se a verdade sair da boca, dos gestos, dos olhos (janelas da alma) de quem ensina.

O ânimo do grupo será maior (e o grupo, mais organizado e disciplinado também) se as almas estiverem mais harmonizadas. A disciplina, assim, será conquistada - e não imposta. O mestre, assim, será um verdadeiro mestre - e não “impostor”. A voz do mestre será respeitada e ouvida. Aprendizes querem ouvir a voz do mestre. Aprendizes buscam o que quer que seja a verdade de seu mestre, mesmo que, ao longo do caminho, encontrem sua própria verdade.

A verdade a que me refiro diz respeito não só a sinceridade de contar nossas historias pessoais, nossos erros e acertos, nossa fragilidade humana, mas, acima de tudo, a nossa real capacidade de abstrair, sonhar e insistir, até ensinar (ou até perceber que pelo menos alguns se interessaram pelo que foi dito e vão querer aprender).

Para despertar o “querer” é preciso que o professor puxe o “fio da meada” que conduzirá ao aprendizado.

O interessante é que não é preciso ser “escritor” para puxar este fios, não é preciso ser super criativo para “criar” histórias novas. É preciso apenas repertório e empatia. Conhecer as histórias do mundo e de seu próprio objeto de estudo. Conhecer o outro – e suas histórias. E as histórias novas vão sendo criadas conforme (re)contamos as antigas (e presentes) e imaginamos o futuro.

Crianças, jovens ou adultos são fisgados pela curiosidade conforme associamos histórias extraordinárias a nossa “disciplina” cotidiana. Fictícias ou não, não importa, desde que sejam contadas com verdade. Esta verdade de que falo, é a eterna busca do contador de histórias.

O professor que busca “contar bem” a sua matéria (seja ensinando o alfabeto ou a escrever uma análise crítica em língua estrangeira, seja ensinando a fazer contas ou a destrinchar fórmulas, seja ensinando o homem a conviver com a natureza ou entre si), se ele “contar” tudo isso com verdade, dará maiores chances para que os seus alunos se identifiquem com esta busca, mesmo que sintam dificuldade em aprender os meios desta busca, ou seja, mesmo que seja difícil para eles seguir a condução do “fio da meada” de cada professor que tiverem na vida.

Então estamos falando em seguir o fio da meada, superar dificuldades no caminho, repertório, empatia, de histórias pessoais a universais, sobre a verdade, do gostar de contar ao querer ouvir... Sobre tudo isso, a prática pedagógica pode tirar proveito da prática do contador de histórias.

 “Por que a palavra do contador de histórias quer ser ouvida – por crianças, jovens ou adultos?”

Primeiro, por que o contador de histórias não fala, ele “conta”, e as histórias que conta, nos divertem e envolvem. Num segundo momento, as boas histórias nos fazem emocionar, seguir o fio da meada, pensar e, enfim, formular questões profundas e essenciais que intrigam o homem desde o engatinhar da humanidade, como:

“Quem somos? Por que estamos aqui?”

Não digo que sejam perguntas fáceis (para professores ou quem quer que seja) nem tão pouco que o contador de histórias tenha as respostas. No entanto, ao contar nossa própria história (de aluno à professor, de professor à mestre), ao propor questões e não respostas – de um jeito verdadeiro, fascinante, estaremos não apenas inspirando estudantes a se interessarem por nossas aulas, mas por temas e ideais mais amplos, pela arte de ouvir, dialogar, pesquisar e aprender.

Educadoras contam historia afetiva sem palavras em palestras-oficina coordenadas por Fabio Lisboa e equipe do Projeto ABC 
O mestre que conta histórias aproxima seus aprendizes de valores que vão além do óbvio, do material e da aparência. As histórias ensinam as pessoas a compreenderem (e gostarem) do abstrato. É preciso abstrair para entender, descobrir, criar.

A literatura e os contos da tradição oral nos fazem abstrair para acompanhar a jornada de heróis trazendo em si infinitas maneiras de contar os seus passos (e percalços). O contador de histórias tradicional levava estas jornadas, de um jeito próximo e intrigante, até ouvidos atentos.

O contador de histórias contemporâneo busca novas (e resgata antigas) formas de conseguir a atenção de seus ouvintes e dar voz, então, às histórias, deixando-as falarem por si.

Os professores podem usar recursos como os dos contadores, conseguindo, assim, a atenção de seus alunos, deixando, então, suas histórias e matérias falarem por si.


Vou citar dois exemplos de como a prática dos narradores pode influenciar positivamente a prática dos professores. Os exemplos estão entre os vários coletados por duas mestras da arte de contar histórias, que também se aprofundaram em pesquisas acadêmicas (e práticas) sobre o tema.

O primeiro está no livro “A Palavra do Contador de Histórias”, no qual a pesquisadora e contadora de histórias Gislayne Avelar Matos analisa como esta “palavra” se insere no ambiente escolar. Para tanto, recolhe o depoimento de diversos profissionais narradores:

“Ele [o contador de histórias Roberto Carlos Ramos] sugere que o professor desenvolva certas habilidade que poderiam ser de grande valia no contexto da educação escolar. A capacidade para colocar-se em sintonia com seus alunos, como faz o contador de histórias com seus ouvintes, é a primeira delas e poderia ajudar o professor a perceber melhor as necessidades e possibilidades de seus alunos.” 

O segundo exemplo vem dos fundamentos teórico-poéticos da mestra Regina Machado, que instiga o leitor a pensar junto com ela: “O que se aprende em contato com a arte de contar histórias?”

A autora começa a responder esta pergunta relembrando três frases clássicas que apontam para três começos:

Dos contos de fada: “Era uma vez...”
Da brincadeira de criança: “Faz de conta que eu era...”
Da música “João e Maria” de Chico Buarque: “Agora eu era o herói...”
 
“Um professor de Português poderia explicar gramaticalmente para seus alunos a frase “Agora eu era o herói”? Impossível na gramática, possível na poesia.

“Era uma vez” é uma frase com tempo verbal compartilhado pelas histórias popu­lares, pelas crianças pequenas que se reúnem para brincar (“Faz de conta que eu era a mãe e você era o pai, tá?”) e pelos artistas. Um tempo que não cabe na história temporal, datada cronologicamente, como o do ontem ou do amanhã”

O tempo que Regina Machado poeticamente ilustra é um tempo além do espaço-tempo cotidiano (seja ele lotado, barulhento, estressante, apático...). É um tempo do sonho, da compreensão, da busca de porquês, tempo de valorosas, interessantes e belas respostas.

Abrimos agora, então, este nosso espaço-tempo (virtual) onde existe a possibilidade de um encontro (global e atemporal) de respostas de professores, contadores de histórias, alunos, falantes, ouvintes, leitores, escritores, aprendizes e mestres interessados em respostas e, claro, em perguntas.


Educadoras contam historia sobre alegria sem palavras em palestras-oficina coordenadas por Fabio Lisboa e equipe do Projeto ABC
Recomendações Bibliográficas
MACHADO, Regina - Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias / Regina Machado – São Paulo: DCL, 2004.
MATOS, Gislayne Avelar Matos - A Palavra do Contador de Histórias: sua dimensão educativa na contemporaneidade - São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005.

O autor
Fabio Lisboa é contador de histórias, escritor e palestrante / Storyteller, teacher trainer. Graduado em Comunicação Social (ESPM) e Letras (USP), Ludoeducador pela IPA-Brasil - Associação Brasileira pelo Direito de Brincar. Autor de: “O Mistério Amarelo da Noite” (livro infantil editado pela WMF Martins Fontes, apoiado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - PROAC 2008 e selecionado pela FNLIJ- Bolonha 2010). Realiza apresentações, palestras, cursos e oficinas para professores, pais e interessados em escolas, centros culturais, universidades, instituições governamentais e ONGs.
Blog: www.contarhistorias.com.br
E-mail para contato: fabio.lisboa@imagineprojetos.com


Irá ministrar a Oficina Princípios da Arte de Contar Histórias.


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10 comentários:

Anonymous disse...

Comentário enviado pelo e-talk da Livraria SBS:

Adorei o texto!
Eu realmente acho que o professor precisa saber trabalhar com os alunos, não é nada impossível. E, para isso, ele deve sempre refletir sobre sua prática, para sempre inová-la. Para poder prender a atenção do aluno e partir da realidade deles, pois assim o entendimento deixa de ser algo
"chato", monótono e complexo.

Nome do Autor : Juliana Polli Rocha

Fabio Lisboa disse...

Juliana,

Obrigado por abrir os comentários de uma forma interessante: Concordo, pra que não fique chato e “monótono”, a aula não pode ser um "monólogo".

E a suposta “complexidade intransponível” do discurso começa a ficar mais “acessível” ao “partirmos da realidade” do aluno. Para haver diálogo é preciso que alguns pontos (especialmente de partida) sejam convergentes. Por isso digo no texto que quanto mais acessarmos o nosso lado humano e nossas histórias pessoais (e universais), mais sintonizados com nossos alunos estaremos.
Se possível, conte para nós um exemplo prático de como “partiu da realidade deles”... Quem são eles? Quem é você?

Atenciosamente,
Fabio Lisboa

Anonymous disse...

Comentário enviado pelo e-talk da Livraria SBS:

Fabio, adorei suas ideias. Faz algum tempo que discuti com amigos expressões como "precisamos fazer alguma coisa", onde a pessoa não sabia dizer o que deveria ser feito, muito menos como. Ou seja, "passava a bola" e pronto, porque o máximo que ela conseguia pensar era que "precisamos fazer alguma coisa".

Por isso, é ótimo ler suas sugestões, diretas e claras. E concordo com você, o professor, além da paixão, precisa saber contornar o fastio das aulas faladas. Aprender a "contar" sua aula seria uma forma de cativar o aluno. Meus parabéns!

Nome do Autor : gilson médice ferreira

Fabio Lisboa disse...

Puxa, Gilson,
Eu ri muito imaginando a cena desta expressão “precisamos fazer alguma coisa” numa reunião, onde um vai “reproduzindo” isso para o outro, “em série”, sem pensar.

Me fez lembrar de outra reunião onde a primeira resposta foi: “Precisamos ser mais criativos..”. E você, o que acha? “Precisamos ser mais criativos!”. E todos começaram a dar a mesma resposta, a partir daí, nada criativa.

A resposta verdadeiramente criativa buscaria o “como” ser mais criativo, não acha?
A mesmas resposta, a mesma história, o mesmo “porquê” só funciona, se o “como” for adequado aos alunos (como a Juliana anteriormente comentou) e daí, talvez, entenderem os porquês. Da simples reprodução em série (na 1ª, 2ª, até depois da 8ª série), passamos a aproximação, reflexão, adaptação e, quem sabe um dia, evolução.

Por isso, propus um “como” – através das histórias, pois tem funcionado para mim e para outros – e, por isso, proponho que pensemos (e contemos) juntos: “porquês” e “comos” - além das quatro paredes da sala de aula.

Atenciosamente,
Fabio Lisboa

Fernando disse...

Professor Fábio, parabéns pelo belo texto. Também sou professor e faço minhas suas palavras. Aqui vai minha história: em estágio na rede pública, conheci um menino de uns 6 anos de idade que fora posto fora da sala por "bagunça". O garoto parecia terrível mesmo: sério, emburrado, cabeça baixa e olhar oblíquo fulminante, respondendo para todos. Ali estava aquele tiquinho de gente sentado ao meu lado num banco em frente à diretoria enquanto eu (e ele) aguardava pela diretora. Perguntei-lhe seu nome, mas ignorou-me. Não, não me ignorou: mostrou-me a mão e disse, desrespeitosamente, como se costuma fazer na periferia em que moramos: "Fala com a minha mão". Pois não tive outra saída que não a de pôr-me a falar com a mão dele. Como era simpática a mão dele, falava comigo, gostava de mim, era minha amiga... Aos poucos, um sorriso foi se desenhando naquele rosto pequeno e bravo. Depois de 5 minutos de conversa com a mão de João (escutei seu nome quando uma professora passou e lhe deu uma bronca), ele ficou meu amigo! Não é fácil vencer as dificuldades do ensino, mas é muito bom e recompensador!

Fabio Lisboa disse...

Olá Fernando,

A criança adora dar “ânima” (alma) a objetos “inanimados”. Isto alguns contadores de histórias como Kelly Orasi, mestra em manipular objetos para que adquiram vida durante a narração de uma história, comprovam na prática.

O filósofo Walter Benjamin poeticamente descreve a relação criança-objeto-brinquedo: “Criança escondida. (...) A criança que está atrás da cortina, torna-se ela mesma algo ondulante e branco, um fantasma. (...) E atrás de uma porta, ela própria é porta.”

A mão do João foi uma intermediária entre você e o coração do João, uma ponte entre um professor brincalhão e verdadeiro e o menino verdadeiro e brincalhão. Você deu voz a mão do João, você deixou ela ser livre e a partir daí, ela - não só a mão, mas o corpo todo do João - passou a te respeitar, a sorrir, a ter alma e, provavelmente, a querer brincar mais e saber mais histórias do educador que fala com “mãos” de “Joãos.”

Obrigado pela “mãozinha” para que outros educadores nos presenteiem com suas histórias!

Abraço,
Fabio

Teca disse...

Olá, professor Fabio!
Adorei o texto e lembrei-me dessa frase:
"O homem só é inteiramente humano quando brinca" (Friedrich von Schiller)...
Após tê-la lido, me senti mais segura por perceber que não estava exagerando em buscar mais diversão, humor, risos em minha rotina...Só porque sou ADULTA,EDUCADORA, MÃE, DONA DE CASA, preciso ser séria, rígida, austera?
Resolvi, voar por ares que realmente me encantavam e viajei pelos ares da contação de histórias...
Inspirada, resolvi postar meu desabafo e convidar a todos os ADULTOS que lidam com nossos “grandes pequenos” a sorrirem mais...
Será exagero afirmar que indivíduos quando tornam-se adultos, transformam-se em seres passivos de uma sociedade sugadora do tempo, dos sonhos , ou até mesmo da necessidade de ser feliz?
Não percebemos que a praticidade da vida moderna nos fragmenta...
Percebem que hoje raciocinamos menos?
Brincamos menos?
Gargalhamos menos?
Nos emocionamos menos?
Sonhamos menos?
Será a falta de tempo ou estamos presos a uma rotina social que nos massacra e nem nos damos conta?
Pois é, o ADULTO que se permite uma "trégua", é surpreendido por emoções e aventuras, isso se lançar-se de corpo e alma no Universo Infantil...
BRINCAR é uma forma de aprender, de conhecer o mundo,
Ler é viajar no âmago da emoção,
Contar histórias é experimentar a mais sublime sensação de ser pleno,
Educar é a arte de explorar o íntimo de cada indivíduo em transformação e transformar-se também.
Ser Educador é vivenciar todas essas experiências e sentir-se mais humano.

Com carinho
Hevelyn Rolim
(TECA)

Fabio Lisboa disse...

Oi Teca,

Obrigado por compartilhar os seus sonhos, voos e desabafos poéticos! O q fica pra mim é o que o mundo precisa de profissionais um pouco (mais) “educadores”... Concordo! Porque SER EDUCADOR é SER (mais) HUMANO.

Bjs,
Fabio

Amanda Proetti disse...

Fabio, querido, por acaso vc já ouviu falar em Educomunicação? Pois eu acho que entre esta senhorita e a arte de contar histórias existe uma química inegável! E me pergunto pq ainda não fiz uma matéria sobre isso. Topas?! ;) Bjo!

Fabio Lisboa disse...

Claro que topo, mas me pergunto: será que pratico a educomunicação sem saber que tinha esse nome, rs? Acho que é vc quem vai ter que me explicar, Amanda!

Bem, o que sei é que posso te conseguir o contato de alguém que trabalha com inclusao digital, interliga linguagens e faz um trabalho sensacional de “educominicacao ambiental”. Tanto que me chamou para integrar a equipe de professores de um curso técnico (pasmem) de Jardinagem...

O que brotou desse jardim foi:
Letramento e Meio Ambiente: A Palavra-Semente http://www.fabiolisboa.com.br/2010/03/letramento-e-meio-ambiente-palavra.html

At your service :O) , sincerely yours,
Fabio

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