Recontado por Fabio Lisboa
Houve um
tempo - esperamos que não o nosso - em que os velhos eram considerados um peso
para a sociedade.
Um rei -
ele mesmo já um velho - também queria se livrar deste peso. Visto que ele
próprio não seria enquadrado no que quer que fosse decretado pelo rei pois
naquele reino as leis para os nobres e pobres eram bem diferentes, baixou o
decreto de uma lei que obrigaria os velhos - ressalte-se bem, os velhos plebeus
- a trabalharem até estarem perto do fim da vida.
Acontece
que aquele fora um ano de seca e escassez, tanto meteorológica quanto
cooperativa e intelectual. E daquele jeito, nem o trabalho de todos estava
dando conta de fazer o reino próspero, sustentável e, principalmente, feliz.
Então o rei complementou a sua ideia:
- Já que quase não tem força para o trabalho, os
velhos devem trabalhar mais tempo que os jovens para compensar a sua fraqueza -
argumentou, digo, decretou o monarca.
Todavia,
um dos mais respeitados agricultores do reino se recusou a expor o seu próprio
pai a essa situação. Seu pai tinha sido um grande lavrador mas agora merecia
descansar. Em vista da dificuldade que todos enfrentavam na lida com a terra, o
filho pediu aconselhamento ao pai, que disse:
- Neste
finzinho de ano, filho, comece arando a beira da estrada e continue fazendo
isso até o começo do ano novo.
O filho
não entendeu a vantagem daquilo mas resolver ouvir o conselho do pai e fez o
que ele havia proposto.
Assim que
virou o ano, o pai complementou a sua ideia:
- Agora
plante algumas sementes ainda no verão, meu filho. Até o outono chegar, você já
terá algum resultado.
E o
outono de fato chegou mais verde do que nunca aos arredores da fazenda. Havia
frutas, flores, legumes, leguminosas e até cereais ao longo da estrada. O rei
ficou sabendo da façanha, foi lá comprovar com os próprios olhos e,
claro, gostou do que viu. Chamou o homem para uma audiência:
- Como e
por que fez as estradas frutificarem?
- Não foi
ideia minha majestade, foi de meu pai. Ele deveria trabalhar de sol a sol se
fôssemos seguir o decreto real mas moramos longe e a mensagem não chegou a
tempo. Descansado, ele teve tempo de me explicar as suas ideias.
- Indiscutivelmente,
são boas ideias. Talvez eu devesse rever as minhas sobre os velhos... Seu corpo
não tem mais a mesma vitalidade de trabalho mas a experiência é muito valiosa.
Me conte como foi...
-Bem, ao
arar o solo ao lado das estradas preparei a terra pra receber as sementes que
caem durante o transporte. Também meu pai recomendou que eu plantasse
centenas de sementes ao longo do via. As chuvas de verão, a fauna da região e a
sabedoria da natureza cuidaram do resto.
E assim,
depois de ouvir as ideias do agricultor e de seu pai, e experimentar de seus
frutos, o rei mudou suas próprias ideias - e leis. Ele decidiu deixar os velhos
em paz, e incentivar não só os grandes mas especialmente os pequenos produtores
agrícolas: "que todos plantadores do reino fizessem como fizeram o
digníssimo agricultor e seu velho pai. Dessa forma, abriremos novas
estradas verdejantes!"
Assim,
aos poucos, as estradas do reino - e as pequenas fazendas - foram formando
lindos cinturões verdes, abertos a todos. Ninguém mais passou fome. Os velhos
começaram a ser chamados de sábios ou anciãos e de fato não precisaram mais
trabalhar. O livre acesso às árvores e diversidade de sementes e da fauna que
as polinizava e dispersava criava um círculo virtuoso entre as pessoas, bichos,
plantações e vias. Pessoas do mundo todo vinham visitar aquele reino e tentar
entender e viver um pouco da sua fartura ambiental e belezuras naturais com o
seu povo criativo e feliz.
Aquela
primeira estrada germinada daquele novo jeito abriu novos caminhos e alguns
conceitos começaram a ser melhor compreendidos e aplicados desde então:
Sustentabilidade. Economia criativa. Economia solidária. Turismo rural e
cultural. Turismo sustentável. Agricultura orgânica e familiar. Permacultura.
FIB*.
E a
adoção daquelas novas ideias fez com que cada um envolvido naquele plantio
desse seu pequeno passo para cruzar o limiar entre algo bom que germinava para
algo ainda melhor que florescia. Houve um tempo - esperamos que o nosso - em
que novas estradas verdes abriam-se pelo reino e pelo mundo.
Por Fabio Lisboa
Reconto inspirado em conto da tradição oral romena,
sobre o qual, além de variações européias, podemos encontrar também versões
asiáticas e africanas.
Imagem: https://goo.gl/images/FQS0OK
* FIB = Felicidade
Interna Bruta, sigla derivada do PIB (Produto Interno Bruto) que mede as
riquezas produzidas por um país.
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