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História: Dois irmãos e um muro


História recontada por Fabio Lisboa

José e João eram dois vizinhos que viraram amigos muito próximos. Tão próximos que se consideravam irmãos. Tão próximos que pegavam emprestado as ferramentas da roça um do outro. Mas se um pegava uma foice, devolvia-a amolada. Se o outro pegava o rastelo com o cabo frouxo, devolvia-o com um cabo novo. Sempre trocando palavras e gestos de gentilezas e sabendo oferecer, quando preciso, não só uma mãozinha, mas perdão. Infelizmente, não no episódio da cabra sem dono.

As pequenas fazendas eram divididas por um riacho. As cabras atravessavam pela parte rasa do riacho e pastavam nos campos de um ou de outro. Mas se um ganhava leite, dali a pouco oferecia manteiga ao outro. E no fim do dia, as cabras dormiam no celeiro de seu dono.

Acontece que um dia uma das cabras que ora dormia num lugar, ora no outro, deu à luz e ambos acharam que a cabra sem dono - e o cabritinho - lhes pertencia.

José foi até a fazenda de João e a discussão se desenrolou assim:

- Quer ficar com o cabrito - certo, João, mas me devolva pelo menos a minha cabra de estimação!
- O que? Você quer roubar o meu cabrito, se faz de bonzinho e ainda quer ficar com a minha cabra!

- A cabra é minha!
- Minha!

- É minha, cabra!
- Não cabra, é minha!

- Ô, cabra da peste!
- Você que é! Mentiroso!

- Traidor!
- Desonesto!
- Ganancioso!

- Tanto não sou, João, que você pode ficar com esta maldita cabra e seu cabrito, mas não me apareça mais na minha frente!


- E você saia daqui logo!

E assim se foi José, de mãos e coração vazios, foi andando até a parte mais rasa do riacho e o atravessou, sem a cabra de estimação e o cabrito, e principalmente, sem o amigo, que até então considerava como irmão.

Pela proximidade, os dois continuaram se vendo quase todos os dias, mas desde então, viravam a cara e não se falavam. Não havia mais tanta disposição para trabalhar, talvez porque não houvesse tantas ferramentas, talvez porque faltasse uma mão amiga e próxima. O fato é que a distância entre os dois amigos parecia maior a cada dia.

Um dia passou um carpinteiro pela região e, graças aos planos de José, a distância entre os dois poderia agora aumentar de vez! O carpinteiro disse assim:

- Sou um viajante e um experiente carpinteiro. Gostaria de um lugar para comer e dormir por hoje e, em troca disso, poderia fazer algum serviço de carpintaria.

- Ótimo que apareceu! Tenho sim, um serviço para você, carpinteiro! Gostaria que construísse um muro ali!

E apontou para o riacho, na divisa da fazenda dele com a de João. E explicou também a situação em pé-de-guerra em que se encontravam os dois. E acrescentou:

- E por favor, faça o muro bem alto, pra eu não ver mais a cara daquele cabra na minha frente.

- Sim, senhor.

E sem demora o carpinteiro começou o seu serviço, martelando e emendando aqui e ali mas pedindo também materiais para tal empreitada. José trouxe os materiais e o homem passou o dia trabalhando, arquitetando no chão uma bonita estrutura. No fim da tarde avisou:

- Ainda falta erguer a estrutura e fazer os acabamentos, mas o senhor, se quiser, pode ir dormir que amanhã cedo o serviço já estará pronto.

Assim fez José e se retirou. E João, do outro lado do riacho, também dormiu, curioso em saber o que o outro estava aprontando.

O carpinteiro trabalhou a noite toda. O trabalho final ficou lindo, primoroso! Mas José, assim que acordou e foi inspecionar a obra, quase não acreditou no que viu e esbravejou:

- Está louco? Você não construiu um muro e sim uma ponte! Que espécie de profissional é você? E o que aquele meu vizinho estúpido vai pensar?

E do outro lado, João também quase não acreditou no que viu. Não conseguia ouvir o que José dizia ao carpinteiro. Mas ao ver a ponte, entendeu a intenção do amigo ao realizar uma obra assim.

Ele atravessou a ponte de braços abertos.

E José, ao ver o amigo chegando de braços abertos silenciou. E entendeu as intenções do amigo.

Os dois se abraçaram.

Chorando, um pediu perdão ao outro.

- Desculpe, aquela cabra se foi, e o cabrito virou bode, mas pode ficar com ele, José.

- Desculpe, esse bode não me importa mais, João, mas a sua amizade ainda importa sim, e muito! Somos de novo, irmãos! Mas devemos agradecer ao magnífico trabalho deste homem...

E José olhou em volta mas o carpinteiro já ia longe.

- Ei, carpinteiro, espere, tenho outros serviços para você, posso pagá-lo bem! Você é muito bom no que faz! Não que ficar mais um tempo?

- Obrigado, senhor, mas a minha jornada continua. Ainda tenho muitas pontes a construir pelo mundo.

História recontada por Fabio Lisboa
Referências
Ouvi e li várias versões deste conto mas me emocionei muito com o contador de histórias radicado na Escócia Eric Maddern quando esteve no Brasil contando esta história durante o Boca do Céu 2012 - Encontro Internacional de Contadores de Histórias.

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