Por Fabio Lisboa
"A paz
universal e duradoura poderá ser estabelecida apenas se baseada na justiça
social. Se você deseja a paz cultive a justiça".
Norman Borlaug - Agricultor, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 1970.
Norman Borlaug - Agricultor, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 1970.
“Queremos paz e
justiça e lutaremos por isso com garras e dentes.”
O
lema das montanhas estava para mudar. Os animais estavam cansados dos mandos e
desmandos dos leões-da-montanha. Alguns deles caçavam mais do que precisavam
para comer. Estes poucos felídeos abusavam de seu poder, rompiam com a lei
universal dos ciclos da natureza e com isso geravam desequilíbrio e
insatisfação geral. Com isso, criaram uma má fama para a sua espécie e o seu
modo de agir e ninguém queria mais saber daquela ditadura felina predatória e insustentável!
Porém,
apesar da insatisfação, não havia um bicho que levantasse a voz para o modo de
vida que viviam e que acabava com a vida nas montanhas. Até que um dia as
cabras criaram coragem e baliram alto:
-
Hei, leões-da-montanha, alguns de vocês estão abusando do seu poder,
desperdiçando vidas, sendo desonestos com a mãe-natureza!
-
Exigimos que mudem de atitude e as montanhas voltem a ser um bom lugar para se
viver!
Os
leões ouviram os balidos e ficaram surpresos com a ousadia das cabras. Alguns
animais do alto da montanha que não faziam parte da cadeia alimentar leonina
tomaram partido do mais forte, claro:
-
Cabras baderneiras! Voltem para o pé da montanha antes que sejam comidas pelos
leões!
Bem,
alguns leões nem estavam com fome e as atacaram assim mesmo. Covardia! Muitas
cabras ficaram com a lã cheia de sangue. Mas isso não as fez esmorecer:
primeiro porque as cabras são cabeça-dura e não desistiriam de lutar por dias
melhores nas montanhas.
Segundo,
porque no outro dia, inspirados pela utopia, animais vindos de todos os lados
começaram a se juntar e amplificar a voz do sonho caprino. Os bípedes foram os
primeiros a aterrissar. Os quadrúpedes chegaram trotando logo depois, seguidos
dos anfíbios e insetos. Os répteis foram os últimos a se arrastar até lá e,
quando chegaram, com os ânimos de todos já estavam exaltados, puseram mais
veneno nos debates.
Uns
diziam que usariam chifres contra os opressores, outros garras, dentes,
ferrões, picadas, patadas. Queriam logo acabar de uma vez por todos com a
injustiça dessa laia de felídeos.
-
Abaixo à ditadura! Fora gatunos!
- Temos
direito à vida, não queremos ser comida! Chega de sangue!
-
Vamos envenená-los! Fora leões!
O
grito de alguns logo virou o clamor ensurdecedor da multidão de animais:
-
Fora leões! Fora leões! Fora leões!
Era
como se as montanhas ouvissem a manifestação e tremessem com o pulsar dos
balidos, grunhidos, chiados e berros.
No
meio da montanha, dentro de cavernas, um urso, que há meses hibernava, sentiu o
solavanco de sua morada e se remexeu, sem abrir os olhos.
Os
linces eriçaram os pelos e os coelhos se encolheram de medo. As cobras
sibilaram de ódio e os sapos tremeram de pavor. Predadores e presas de todos os
tipos se encararam.
Estava
por um triz uma batalha de vida ou morte entre os próprios animais que se
reuniam contra a opressão dos grandes felinos. E os pequenos animais,
acostumados a serem caçados e encontrarem uma saída, pediram aos seus
predadores:
-
Se brigarmos, nos enfraqueceremos. Temos nossas diferenças mas façamos uma
trégua, ao menos, até enfrentarmos os leões.
As
cabras das montanhas, acostumadas a subir e descer, que há tempos sofriam nas
garras dos leões, mas que insistiam em lutar por justiça, argumentaram:
- Sim,
esperem. Se tirarmos o poder dos leões à força, estaremos agindo como eles,
não?
-
E tem mais, nem todos os leões são ditadores ou ladrões.
- Verdade,
os leões nos ajudaram: antes vivíamos com fome e agora temos carniça – disseram
os carniceiros.
-
Isto foi bom para vocês, claro, mas nem vocês nem ninguém aguenta mais tanto
desperdício de uns poucos leões – lembraram os herbívoros.
Entre
prós e contras, as corujas argumentaram que, portanto, seria melhor usar o
diálogo e apelar para o bom senso que até os leões deviam ter.
-
Afinal, se continuarem menosprezando a natureza e os animais assim, logo, logo,
os leões ficarão sem ter o que comer e sequer onde morar.
E
leões-da-montanha não são nada sem a montanha e sem os outros moradores da
montanha. Aos poucos, os ânimos envenenados foram se desintoxicando. Pois, no
fundo, grandes e pequenos animais, presas e predadores, todos queriam coisas
simples e parecidas: justiça num lugar preservado e bonito para se morar,
comer, se divertir e dormir em paz. Afinal, o sonho caprino era o sonho de
todos.
E
assim foram todos subindo a montanha, acordados em falar pacificamente com os
leões. O problema é que, quando todos aqueles animais foram passando na frente
da caverna do urso que hibernava, acordaram o gigante.
E
o gigante acordou mal-humorado. O urso não havia participado dos debates. Não
estava desperto para o acordo de paz entre os diferentes.
Ouviu
no seu sonho algo como:
-
Fora leões! Direito! Sangue!
Saiu
gritando o seu sonho, querendo tirar sangue de alguém. Direito, direito! Sem
saber direito qual era o direito que queria. Mas os leões eram muito grandes
pra ele tirar sangue. Então quis arrancar a pele dos coelhos pois não concordava
com suas cores. Tentou comer as cabras com chifre e tudo.
Todavia,
os coelhos fugiram e estas últimas, com suas cabeças calejadas, se defenderam
mas não chifraram o urso. Tentaram ensinar ao gigante recém-desperto sobre
justiça, democracia, paz e utopia.
E
assim os animais continuaram a sua marcha, tentando decidir no caminho, qual
seria o melhor caminho para realizar o sonho de todos das montanhas.
Agora,
se o urso ouviu as cabras e se os leões ouviram a todos, essa é a história de
uma jornada muito longa para ser contada num dia só.
O
que podemos contar hoje é que aquelas montanhas ficaram conhecidas como o lugar
onde um gigante acordou, um gigante que não era urso ou cabra, nem tampouco
leão. O gigante que acordou era feito de milhões de seres vivos de todos os
tipos que um dia fizeram um acordo pacífico e, em breve, mudariam o lema das
montanhas:
“Queremos paz e justiça e lutaremos por
isso com paz e justiça.”.
Por Fabio Lisboa
Manifestação em forma de Fábula
“Não há caminho para a paz. A paz é o
caminho.”
Mahatma
Gandhi
Referências
Contar
Histórias no Facebook:
Fotos:
Leão-da-montanha:
http://kelsidoscher.photoshelter.com/image/I0000V9CA2u2JfaY
Animais
(veados): http://www.betterphoto.com/gallery/dynoGallDetail.asp?photoID=368027
Pôr-do-sol:
http://summitcountyvoice.com/2012/10/07/morning-photo-july-calendar-choice/buff-silhouette/
Manifestação:
Mídia Ninja – (Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação)
midianinja@gmail.com
Poema:
Das
utopias – Mario Quintana, 1906-1994
Se
as coisas são inatingíveis...ora!
Não
é motivo para não querê-las...
Que
tristes os caminhos, se não fora
A
presença distante das estrelas!
Quintana
de bolso / Mário Quintana 1ª. Ed. Porto Alegre: LP&M, 1997 - aparece pela
primeira vez no livro Espelho Mágico [1951].
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