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História: O dia em que João Grilo não encontrou um sábio



Conto popular recontado por Fabio Lisboa

Um dia o esperto João Grilo marcou, em sua casa, um encontro com um homem dito sábio. Mas esqueceu-se de um detalhe que era, na hora marcada, estar em casa.

Chegando lá, o tal sábio bateu na porta entusiasmado em estar cara-a-cara com  João Grilo, o cabra mais astuto da região.

E...


Nada de João.

O sábio esperou, esperou, e foi ficando desapontado, mas sabia que a sabedoria deveria andar lado-a-lado com a paciência.

Bateu na porta de novo, pronto para começar o bate-papo ensinando bons modos ao espertalhão!

E...

Nada de João.

O sábio foi perdendo a paciência quando percebeu que havia batido com a porta na cara, e bateu nela uma última vez com força (não com a cara, mas com a mão)!

E...

Nada de João.

Quando perebeu que o cabra safado havia lhe deixado na mão, o sábio perdeu de vez a paciência e com ela a sabedoria. Antes de ir embora, achou no chão um pedaço de carvão e escreveu bem grande na porta de João Grilo:

IMBECIL!

Enfim, voltou para a sua casa. Só que mal fechou a porta, ouviu "toc, toc, toc"...

- Quem é?

- É João.

- Quer o quê?

- Pedir perdão.

A porta se abriu e João Grilo  disse assim:

- Ora, o senhor que me perdoe o esquecimento, viu, é que só me lembrei do nosso encontro quando vi o teu nome escrito na minha porta.

Conto popular recontado por Fabio Lisboa

Referências
Ouvi este conto da Contadora de história, Professora de contos populares e Língua encantada Andrea Sousa.

João Grilo, como Pedro Malazartes, é personagem comum da tradição oral  e dos contos populares brasileiros. Segundo a pesquisadora Evelin Guedes, ambos provém da tradição ibérica mas adaptaram-se à cultura brasileira, tornado-se ainda mais astutos e malandros por aqui, vencendo as adversidades e desafiando os mais fortes, cultos, ricos ou poderosos com criatividade, bom humor e ironia. João Grilo ficou famoso na peça teatral escrita por Ariano Suassuna em 1955, Auto da compadecida, adaptada para o cinema e mini-série de TV.

Mais informações no artigo A “Dialética da Malandragem” em Lalino Salãthiel e João Grilo: http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/12/ArtigosEnsaiosEvelinGuedes.pdf

Foto: 

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Teste a sua atenção (ao contar histórias)


 Por Fabio Lisboa
Um quesito importante ao se narrar uma história é a atenção.

Se estivermos atentos ao que contamos, não deixaremos o fio da meada se perder.

Imagine que os passes do time branco são os passos da trama de algo que você está contando, algo cheio de idas e vindas, atrativos, antagonistas e reviravoltas. Então não se enrole no fio da meada.

Concentração! Foco! Siga as instruções do vídeo e conte!
Boa sorte!

(para maximizar a imagem em sua tela clique no quadrado abaixo e à direita da tela de vídeo)
(para sair do modo tela cheia tecle ESC)

(caso o vídeo não esteja aparecendo clique no link abaixo)
(leia o trecho abaixo somente depois de fazer o teste)


Aprofundamento

Há ao menos três jeitos de aproveitarmos este teste como metáforas para a nossa prática como narradores (e seres humanos) e pensarmos juntos:

1.
Depois de ver o vídeo, podemos concluir que, ao contar histórias, é preciso atenção não somente “aos passes” (como estamos entregando aos ouvintes os passos da trama) mas também “ao que acontece ao redor” (como os ouvintes estão recebendo as nossas palavras). Será que estes estão participando e engajados no “jogo narrativo” ou estão, como ursos dançantes, “à parte”?

2. No final, a campanha surpreende ao pedir ao espectador para que “Fique atento aos ciclistas”. Neste caso, estar atento ao que não vemos num primeiro momento pode ser uma questão de proteção (ou desrespeito) à vida. Cabe refletirmos o que mais não vemos ou fingimos que não vemos ou deixamos pra trás no nosso “ponto cego” e que, tanto em nossas narrativas quanto na convivência diária no mundo contemporâneo, seria importante olharmos com cuidado e darmos mais atenção.

3.
Entender o poder de conduzir à atenção e surpreender com o uso bem elaborado do foco narrativo. O narrador dá ênfase a uma parte da história e encobre outra para que esta, quando aparecer, surpreenda o espectador. Podemos constatar que uma narrativa bem construída dá pistas aos ouvintes e coloca elementos que podem desvendar a trama desde o começo (ou, ao menos, antes do fim).

A magia acontece quando descobrimos que todas (ou quase todas) as peças do quebra-cabeças estavam lá, só não conseguíamos ver o todo (big picture).


Continuidade

Estar atento ao fio da meada e ao que acontece ao redor do espaço da narrativa, estar disposto a ver (e fazer ver) o invisível e estar preparado para ser convincente, entender e surpreender o ouvinte fazem parte da busca de vida de um contador de histórias.

É fascinante sentir o poder das técnicas citadas ao ser arrebatado incontáveis vezes em narrativas que parecem não cansar nunca de ser revisitadas, ao ler contos de fadas, contos populares, maravilhosos; ou ler livros de Agatha Christie, Stephen King, Marcos Rey, Pedro Bandeira; ao ver filmes como E.T.,  StarWars, Crash – No limite; ouvir canções de Chico Buarque, Caetano, Gil, Beatles, Coldplay; ou ouvir experientes contadores como Dan Yashinsky, David Novak, Regina Machado, Gislayne Matos e Antonio Rocha, só para citar alguns.

Trechos destas obras e da fala destes narradores nos permitirão penetrar com mais profundidade no entendimento do que nos capta a atenção, nos admira, nos faz ver além e nos conduz nas viagens pelo mundo das narrativas... mas esta já é uma outra jornada.

(por favor, comente caso deseje que algum dos temas deste post seja aprofundado)


Referências
Teste a sua atenção - Legendado

Vídeo Original
(Campanha para o “Transport of London”: Fique Atento aos ciclistas)

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Neurociência e contar historias: O poder da comunicação 1 (parte 1 de 2)

Neurociência e contar historias: O poder da comunicação 2 (parte 2 de 2)


Como começar uma história



Era uma vez um contador de histórias que não sabia como começar um conto. O seu maior medo era lhe deixarem no meio da fala, falando sozinho. Terminar era fácil, só por ponto final e pronto. Silêncio. Fim. E depois do fim, quem sabe um pedido: “conta outra”. Conto, claro, mas como começar uma nova história? Como começar sem que ninguém desista de ouvir antes do meio e arranje um meio de não chegar até o fim?

A função da arte 1


por Eduardo Galeano

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.

Viajaram para o Sul. 

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. 

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: 

- Me ajuda a olhar! 


Referências
Texto: "O Livro dos Abraços" de Eduardo Galeano, Tradução de Eric Nepomuceno, ed. L & PM.

Dedicatória:
À minha amiga contadora de histórias Rosita Flores - que me ajudou a olhar, pela primeira vez, das areias da praia, para a poética de Eduardo Galeano.
  
Ao meu aprendiz de contador de histórias de 8 anos, Gleisson - que nunca viu o mar, e me pediu para ajudá-lo a realizar este sonho que, se Deus quiser, será real em agosto de 2013.


Fábula: O dia em que o gigante acordou

    


"A paz universal e duradoura poderá ser estabelecida apenas se baseada na justiça social. Se você deseja a paz cultive a justiça".
Norman Borlaug - Agricultor, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 1970.

“Queremos paz e justiça e lutaremos por isso com garras e dentes.”

O lema das montanhas estava para mudar. Os animais estavam cansados dos mandos e desmandos dos leões-da-montanha. Alguns deles caçavam mais do que precisavam para comer. Estes poucos felídeos abusavam de seu poder, rompiam com a lei universal dos ciclos da natureza e com isso geravam desequilíbrio e insatisfação geral. Com isso, criaram uma má fama para a sua espécie e o seu modo de agir e ninguém queria mais saber daquela ditadura felina predatória e insustentável!

Porém, apesar da insatisfação, não havia um bicho que levantasse a voz para o modo de vida que viviam e que acabava com a vida nas montanhas. Até que um dia as cabras criaram coragem e baliram alto:

História: A faca do rei



Conto da tradição oral recontado por  Fabio Lisboa

No tempo em que caçadores usavam facas para caçar e reis usavam facas para colecionar, houve uma grande festa reunindo diversas vilas do reinado. O caçador do vilarejo mais distante também foi à festa.

Os convidados deste local periférico levaram dois dias para chegar e graças ao caçador puderam se alimentar de carne fresca durante a viagem. Ele era um homem quieto, saía cedo para caçar e voltava tarde, quase sempre trazendo algo de bom que dividia com todos, obviamente ficando com uma generosa parte da caça para ele mesmo. E os conterrâneos do caçador o queriam bem por ele ser assim.

Durante as festividades houve um farto banquete e todos cantaram e dançaram – com exceção do caçador da vila distante que preferiu ficar apreciando a coleção de facas do rei. O homem gostou muito de uma das facas - justo a preferida do rei - que era muito afiada e toda ornamentada, com o cabo esculpido em madeira e cravejado de garras e dentes de predadores selvagens. Acontece que quando todos foram embora da festa a faca preferida do rei sumiu.

Histórias em vídeo: “De criança para criança”

Foto: Bel Duarte Azambuja
Quem acha que criança nunca tem vez nem voz no nosso mundo – além de não saber desenhar e muito menos contar histórias direito - vai se surpreender com este projeto disponibilizado no youtube: “De criança para criança”.

A primeira animação traz ilustrações e vozes de meninos e meninas dando vida a uma destemida princesa que enfrenta um "bafo de Dragão” (do Príncipe!).

Uma aventura para desafiar os sentidos, inclusive os estéticos. Afinal, não são todos que valorizam uma voz e uma estética artística diferente de sua (a saber, de sua cultura dominante adulta que define o que é belo ou não). Falando nisso, além das ilustrações inspiradoras para a criação da narrativa, quem sabe, em breve, o projeto também abarca histórias e roteiros criados pelas próprias crianças... de um jeito ou de outro, elas adoraram fazer parte das invencionices de histórias “de criança para criança”!

(na caixa de vídeo abaixo, clique no ícone abaixo à direita "full screen" para ampliar a tela)

(caso o vídeo não esteja aparecendo clique no link abaixo)


Saiba mais sobre o projeto: