Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.
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Limites na educação: sem limites para o amor


Caminhando juntos para os aprendizes andarem por si sós

- Como meus filhos vão aprender a ter limites? Como meus alunos vão aprender a respeitar uns aos outros? O quanto eu devo interferir, pedir, impor, andar junto, amar...?

O professor era aprendiz.  O aprendiz pedia aconselhamento a seu mestre - e pai. Pai e filho andavam descalços à beira do mar. O filho, formado há poucos anos,  já andava com a mente cansada e o corpo debilitado ao fim de seu quinto ano no corpo docente.

Os sinais de estresse já atingiam todo o corpo: no coração hipertensão de raiva profundamente acumulada, na pele já protuberava coceira do vício da indiferença, pressão generalizada dos prazos escassos e conteúdos extensos oprimiam todos os órgãos, as pernas trêmulas mal sustentavam o peso das ameaças, os olhos inchados eram prova de insônia, os sonhos perderam o nexo e com isso os pés andavam embaralhados sem rumo.

Os pés do mestre andavam firmes. Pararam. Os do aprendiz o acompanharam. O filho sabia que logo teria que voltar a caminhar sozinho e queria aproveitar estes momentos de proximidade com o seu pai.

O pai estava preocupado com o estado físico e psíquico do filho mas feliz por estarem de férias (ele para sempre, professor aposentado), andando ao lado do mar, tentando deixar os medos para trás, compartilhando angústias e sonhos...

O filho precisava mesmo de férias. Mas também de foco. De exemplo. De força. De passos compassados lado-a-lado. E de afeto.

Primeiro um abraço. - Eu também já me senti assim, filho - mesmo lecionando numa época em que a palavra estresse ainda não habitava os dicionários. Os dois sentem que a angústia dividida fica menos angustiada. E a esperança dividida fica mais esperançosa. Agora as esperançosas ideias do pai chegam ao filho com a mente calma, calmamente, relembrando ações e buscando palavras de mestre:

- O professor deve ser sempre o exemplo de suas próprias palavras...

Eu sempre tentei ser para os meus alunos o que eu fui para você, filho:
Eu sempre te amei nos tempos de notas altas ou baixas, e assim eu te ensinei a amar.
Eu sempre te ouvi nos tempos de riso ou choro, e assim eu te ensinei a ouvir.
Eu sempre te mostrava e respeitava os seus limites, e assim eu te ensinei a respeitar os limites dos outros.
Em qualquer tempo, com você, eu sempre ensinei e sempre aprendi.

E vejo que com suas perguntas aqui no meio das areias de nossas férias, que isso você aprendeu: o professor deve ser sempre aprendiz.

- Aprendi e vou continuar aprendendo sempre com você, pai, mas não sei se sei mesmo ensinar...Pai, não sei ensinar nem meus alunos a terem limites e eles estão me deixando louco...

- Quer saber como seus alunos vão aprender a ter limites?

O mestre abaixou e pegou um punhado de areia nas mãos. Começou a apertar a própria mão cheia de areia. Muitos grãos foram escorrendo, fugindo de sua mão e caindo...

Os grãos que ficaram estavam comprimidos num pequeno montinho. O pai falou:

- Limites muito estreitos, muito rígidos, poucos aguentam, muito escapam e os que ficam não sabem o que fazer sem esta mão autoritária.

O pai voltou a agachar, afundou a mão na areia e desta vez levantou-a com a palma aberta. Muita areia escorreu entre os seus dedos e muitos grãos voaram com o vento...
- Sem limites, sem regras, poucos aguentam, muitos escapam e os que ficam a qualquer momento voam sem destino com o vento nesta mão indiferente.

Pela terceira vez o sábio professor abaixou, pegou um punhado de areia nas mãos formando, então, uma concha aberta:

- Limite equlibrado. Sua mão em concha protege as areias do vento, não comprime os grãos uns contra os outros. E deixando a concha aberta você mostra que o mundo é maior do que a sua concha, que no momento certo eles vão poder ir além dos seus limites, vão poder caminhar sozinhos e quem sabe até chegar ao mar...

Naquele instante uma onda mais forte chegou até pai e filho. O pai jogou a areia que segurava e elas sumiram nas águas.

O filho abaixou e ficou brincando com os grãos nas mãos até fazer uma concha aberta. Levantou com os olhos, mãos e com o corpo todo. Os pés alinharam-se em direção ao horizonte marinho. Esperou a onda voltar a seus pés e jogou a areia que se juntou às águas.

- Pai, o quanto eu devo amar os meus alunos?

- O mesmo tanto que deve amar os seus pais, os seus futuros filhos, os seus falecidos avós, a sua casa, os seus vizinhos, o seu planeta e os seus infinitos irmãos.

Os dois mestres olharam para o mar sorrindo e continuaram caminhando lado-a-lado por mais algum tempo.


História selecionada para o Projeto ABC: Aprender, Brincar, Cuidar, recontada por Fabio Lisboa.

Consulte:
Postagem introdutória sobre o projeto
Histórias selecionadas e relacionadas ao projeto.

Foto: Tina

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