Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Fazer os humanos mais humanos


Uma história real e reflexões sobre contar histórias, aproveitar o tempo e nutrir os filhos de afeto enquanto ainda é tempo

"Siga sua lenda, não perca tempo."
Geofrey Chaucer

"Contar histórias desperta a confiança da criança - bem no fundo de cada um de nós vive uma matriz nutridora de segurança e calor. No reino das histórias podemos explorar e afirmar as mais altas e melhores qualidades que sentimos com os cuidados maternos e recriar esse ideal impecavelmente sábio, belo e generoso."
Nancy Mellow

Por outro lado, em oposição à descrição de "Boa Mãe" de Nancy Mellow, ao abdicar de contar histórias, ao não ser generosos a ponto de doar uma boa porção de nosso tempo integralmente aos filhos, deixamos de lhes apresentar ideais de beleza, sabedoria, e de lhes prover de coragem para enfrentar os momentos de solidão. Não compartilhar momentos de entrega total ao seu mundo lúdico como fazemos ao contar histórias e brincar, é como deixá-los em meio à desertos afetivos, sem provê-los de elementos essenciais à sobrevivência humana em ambientes amorosamente isolados ou emocionalmente inóspitos.

Talvez por falta de histórias contadas por boas mães e bons pais o mundo esteja passando por uma crise de identidade a ponto de alguns humanos não se importarem por aniquilar outros humanos, animais ou a natureza. A escassez de histórias contadas oralmente e a consequente carência no desenvolvimento da escuta, imaginação, memória, afeto e empatia, geram assim, desde cedo, até mesmo entre pais e filhos, relações desumanas.

Ao não nutrir as crianças com a força psíquica dos arquétipos dos contos, por exemplo, dos contos de fadas, agimos como os pais de João e Maria, abandonando-os à própria sorte, sozinhos, na floresta. Em sã consciência, nenhum pai ou mãe deseja isso para os filhos. No entanto, alguns só se dão conta que os alimentos afetivos como as histórias são tão importantes quanto a alimentação saudável diária durante as refeições depois de as crianças virarem adolescentes ou adultos carentes de certos nutrientes emocionais e de energia imaginativa e empática.

Pouco tempo atrás, contei histórias para mais de 300 crianças e dezenas de pais, no Centro Educacional Santo Agostinho, no extremo leste de São Paulo, região de São Mateus, em abril de 2014 e, logo após a sessão de contos, em alguns minutos, promovemos um bate-papo com os pais sobre as experiências pessoais com as narrativas, o afeto e a importância de se contar histórias.

No começo, os pais estavam meio tímidos em compartilhar suas experiências achando que eu esperava uma resposta certa. Aos poucos foram revelando pequenas histórias muito interessantes e muitas possibilidades de respostas certas e até mesmo de aprendizado a partir de erros do passado.

As palavras de uma mãe de aluno que por sua vez estava acompanhada da própria mãe que lhe ensinou a gostar de histórias e agora mãe e avó ensinavam a neta foi emocionante e muito relevante. No entanto, foi o depoimento de um pai que pareceu comover e inspirar ainda mais a todos.

Espero que minha memória e reflexão sobre o relato ajude quem não estava lá a entender o que se passou e quem sabe também promover conversas como essa com os pais e professores sempre que possível. Com a palavra, Pedro:


Sou Pedro, tenho 47 anos, sou o pai do Pedrinho, de 4 anos. Conto histórias pra ele todo dia.

Confesso que agora tenho mais tempo, ou melhor, dedico mais tempo a ele do que pude dedicar às minhas outras filhas. Tenho outras três filhas já adolescentes/adultas do primeiro casamento. Outro dia elas me disseram assim:

- Pai, você ama mais o Pedrinho do que nós!

Não filhas, amo igual.

- Mas você dá mais carinho pra ele.

Por que estão dizendo isso?

Nessa hora Pedro respira fundo para nos revelar a resposta das filhas:

- Bem, você conta histórias pra ele e nunca contou uma história pra gente.


Nessa hora o depoimento de Pedro parece tocar a todos. Seus olhos emocionados falam tanto quanto suas palavras ao convidar os outros pais e mães a nunca se esquecerem de aproveitar bem o tempo com os filhos e, especialmente, a contarem histórias.

Talvez eu nao tenha mais tempo agora do que tinha antes - diz Pedro. Mas agora talvez eu saiba escolher melhor o que fazer com o meu tempo. Com certeza a idade nos ensina a dedicar o nosso tempo para o que realmente importa.

Mas o que mais me impressionou no relato de Pedro foi a percepção das filhas mais velhas para algo que realmente importa a elas, o carinho do pai.

Contar histórias é uma forma de dar carinho e os filhos reconhecem isso. O carinho provindo das palavras em forma de narrativa é talvez a fonte de afeição maternal/paternal mais exclusivamente humana. É o nosso jeito de ensinar os traçados de finais felizes - invariavelmente pacíficos e amorosos - para nós mesmos e para as futuras gerações. Pedro teve uma segunda chance de traçar finais felizes com os filhos a partir do nascimento de Pedrinho, mas não é sempre que temos uma segunda chance . A maioria tem um ou dois filhos. E quando nos damos conta os filhos já cresceram e será frustrante perceber que não tivemos muito tempo de brincar com eles, contar-lhes histórias, ouvir o que eles tem a dizer, estar com eles de fato e, de verdade, crescer com eles.

Pedro pode tentar se redimir e trocar mais ideias e narrativas com as filhas já crescidas. E isto é muito importante. Não devemos parar nunca de compartilhar histórias, estas só vão mudando na forma e profundidade com que interpretamos os seus conteúdos conforme ficamos mais "experientes". Mas não será a mesma coisa que ouvir histórias quando somos bebês e crianças, aprendendo a amar, a ser cuidado, a engatinhar, falar, andar, pensar, ler, imaginar, lembrar, enfim, a descobrir, interpretar e viver o mundo. A magia da conexão no campo imaginário quando se está moldando a própria subjetividade é algo inigualável e inesquecível.

O fato de a pessoa amada da criança estar por perto contando histórias cria laços afetivos entre ambos para o resto da vida. O ato de ouvir e contar histórias desenvolve sinapses no cérebro que ajudam o indivíduo a desenvolver capacidades de aprendizado de forma muito mais ampla e eficaz do que quem não teve contato com este ato. Sem dúvida contar histórias é uma demonstração de carinho que faz um pai e uma filha (uma avó e um neto, uma professora e um aluno, um contador de histórias e um ouvinte...) ganharem tempo e faz cada um mais preparado para fazer a humanidade evoluir.

Podemos então concluir que o ser humano que ouve histórias se torna mais humano. Na medida em que aprende a ouvir o outro, a pensar como o outro, a se emocionar com o outro, desenvolve a capacidade empática. E quanto maior a empatia entre indivíduos, comunidades e sociedades, menor o índice de violência humana, maior a possibilidade de coexistência pacífica e de resolução conjunta de problemas pessoais e globais.

Quanto mais cedo aprendermos a contar histórias uns para os outros, mais cedo desenvolveremos a nossa identidade humana, planetária e humanitária. Hoje, mais do que nunca, é tempo de contar histórias!  Hoje é tempo de fazer os humanos mais humanos!


Por Fabio Lisboa (www.contarhistorias.com.br)

Referências

Livro
A Arte de Contar histórias - Nancy Mellow - tradução: Amanda Orlando e Aulyde S. Rodrigues - editora Rocco.

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