Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Ler para uma criança... isso muda o mundo?


 “Os livros não mudam o mundo.
Quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas.”

Por Fabio Lisboa

Começamos com o silogismo (comumente atribuído a Mario Quintana) para responder poeticamente à afirmação proposta pela campanha do Itaú que dá milhares de livros infantis grátis à quem se cadastra no site da Fundação Itaú. Mas é possível responder ao titulo deste artigo de muitas formas. Ler para uma criança: afinal, isso pode mudar o mundo mesmo? Para começar, ao ler um livro mudamos temporariamente de mundo, ao adentrar o mundo da ficção, criamos, em parceria com o autor, um mundo diferente do nosso.

Direitos do Ouvinte*

 
De escuta:

1.      O ouvinte tem o direito de ouvir histórias. Infinitamente, ouvir histórias.

2.      O ouvinte tem o direito de ouvir as histórias que bem entender. Infinitas histórias provindas de inúmeras tradições, culturas, regiões e eras.

3.      O ouvinte tem o direito de entender o que bem entender das histórias que ouvir.

4.      O ouvinte tem o direito de não querer ouvir história alguma.

5.      O ouvinte tem o direito de, quando quiser ouvir histórias, ouvi-las num lugar confortável, tranquilo e silencioso.

De ação:

6.      O ouvinte tem o direito de falar.

7.      O ouvinte tem o direito de falar apenas em pensamento se quiser.

8.      O ouvinte tem o direito de rir ou chorar, se sentar ou se deitar, levantar, pular ou cantar no meio da história.

9.      O ouvinte tem o direito de dormir no meio da história.

10. O ouvinte tem o direito de expressar sentimentos, entendimentos ou dúvidas, com ou sem palavras, antes, durante e depois de ouvir uma história.

De imaginação:

11. O ouvinte tem o direito de imaginar.

12. O ouvinte tem o direito de imaginar o fim da história antes da história chegar ao fim.

13. O ouvinte tem o direito de imaginar outro fim para a história depois que esta chega ao fim.

14. O ouvinte tem o direito de pedir, infinitamente, que lhe contem novas histórias.

15. O ouvinte tem o direito de pedir, infinitamente, que lhe contem a mesma história.

E o dever e desafio do contador de histórias é respeitar e atender a todos estes direitos do ouvinte, sem perder (e sem deixar o ouvinte perder) o fio da meada de cada história que conta.

 
* Direitos do ouvinte, por Fabio Lisboa, Blog Contar Histórias, outubro de 2013.

 
Posts Relacionados
Mantenha-se conectado ao Contar Histórias no Facebook: 
http://www.facebook.com/pages/Blog-Contar-Hist%C3%B3rias/334958753184613

 

Direitos do leitor – Daniel Pennac


Por Daniel Pennac
Edição: Fabio Lisboa [1]

O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”... o verbo “sonhar”... bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia!” “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”

- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.[2]

Historia de Terror: Sozinho no Cemitério

 

Meu avô Luiz, quando jovem, morava na Rua Sergipe, bem em frente ao Cemitério da Consolação.

Muitas vezes, ao voltar para casa, fugindo da agitação paulistana de carros subindo e descendo a Rua da Consolação que já nos anos 30 do século passado parecia barulhenta, meu avô cortava caminho pela calmaria do meio do cemitério.

Às vezes era fim de tarde, à noite caia em meio à passagem pela necrópole. Muitas de suas histórias se passavam nesta passagem entre o mundo dos vivos e o dos mortos e vice-versa.

Seria impossível dizer quais histórias aconteceram de fato, quais eram provindas da tradição oral ou quais eram inventadas na hora por ele na hora porque ao recontar, parecia reviver todas as suas aventuras, verdadeiras ou fictícias e, com precisão, graça, dava vida até ao que talvez... não tivesse mais vida.
 

Uma vez o Vô Luiz me contou assim:

História: Esvaziar a xícara


Conto da tradição Zen recontado por Fabio Lisboa

Chegando ao templo, o professor universitário queria logo pesquisar e aprender tudo sobre o Zen. Com certa impaciência, esperou o mestre que foi chegando a seu tempo.

- Gostaria de aprender o Zen - disse o professor ao mestre, enquanto começava a discorrer sobre seus conhecimentos e questionamentos filosóficos à respeito do zen.

- Primeiro, gostaria de lhe servir chá - disse o mestre.

História: Saber ouvir


Era fim de tarde e o avô passeava com o neto por uma das movimentadas praças da barulhenta cidade em que viviam.

Havia o barulho de pessoas, celulares, carros, ônibus, buzinas, sirenes, construções.

- Está ouvindo as cigarras cantando?

- Não, vô.

- Chegue mais perto, elas estão ali.

- Eu nunca vi uma cigarra por aqui! Será que elas ainda existem na cidade, Vô?

O avô se abaixou próximo ao banco da praça.

- As cigarras se mimetizam, se disfarçam na folhagem e é difícil ver as danadinhas mas sei que estão por perto. Ainda moram por aqui, sim! Se formos de encontro ao som que emitem, talvez possamos ver a vibração de suas membranas, que é como cantam.

O neto se abaixou e conseguiu enfim ouvir a cigarra. Esta, com medo, parou de “cantar”. Mas os três continuaram lá, se observando, e quando a cigarra percebeu que o avô e neto não lhe representavam perigo, recomeçou a melódica. Os dois conseguiram vê-la e ouvi-la direitinho desta vez.

- Vô, como você consegue ouvir tão bem?

- Na verdade, eu não ouço mais tão bem, mas aprendi a prestar atenção ao que vale a pena ser escutado.

E naquele momento a criança e o velho ouviam muito bem a natureza da cidade.

- Veja que muitos passam e poucos escutam o som das cigarras. Agora veja o que acontece, se alguém irá ouvir este som baixíssimo...

O avô tira do bolso e deixa cair delicadamente uma moeda na calçada.

Na mesma hora, mesmo com a poluição sonora ao redor, várias pessoas olham para o chão bem na direção do dinheiro.

- Viu, não se trata de ouvir, mas de saber ouvir. Saber o que ouvir e escutar melhor.
  
Conto traduzido e recriado por Fabio Lisboa
a partir da versão de Rona Leventhal, The Cricket Story

Referências
Livro: Spinning Tales, Weaving Hope: Stories, storytelling, and activities for peace, justice and the environment, 2002, New Society Publishers, Canada, p. 201.

Post Relacionado

História real – Homem e cão (John e Shep) no lago: uma história de amor, compaixão e retribuição



Mantenha-se conectado ao Contar Histórias no Facebook: 



História: O dia em que João Grilo não encontrou um sábio



Conto popular recontado por Fabio Lisboa

Um dia o esperto João Grilo marcou, em sua casa, um encontro com um homem dito sábio. Mas esqueceu-se de um detalhe que era, na hora marcada, estar em casa.

Chegando lá, o tal sábio bateu na porta entusiasmado em estar cara-a-cara com  João Grilo, o cabra mais astuto da região.

E...


Nada de João.

O sábio esperou, esperou, e foi ficando desapontado, mas sabia que a sabedoria deveria andar lado-a-lado com a paciência.

Bateu na porta de novo, pronto para começar o bate-papo ensinando bons modos ao espertalhão!

E...

Nada de João.

O sábio foi perdendo a paciência quando percebeu que havia batido com a porta na cara, e bateu nela uma última vez com força (não com a cara, mas com a mão)!

E...

Nada de João.

Quando perebeu que o cabra safado havia lhe deixado na mão, o sábio perdeu de vez a paciência e com ela a sabedoria. Antes de ir embora, achou no chão um pedaço de carvão e escreveu bem grande na porta de João Grilo:

IMBECIL!

Enfim, voltou para a sua casa. Só que mal fechou a porta, ouviu "toc, toc, toc"...

- Quem é?

- É João.

- Quer o quê?

- Pedir perdão.

A porta se abriu e João Grilo  disse assim:

- Ora, o senhor que me perdoe o esquecimento, viu, é que só me lembrei do nosso encontro quando vi o teu nome escrito na minha porta.

Conto popular recontado por Fabio Lisboa

Referências
Ouvi este conto da Contadora de história, Professora de contos populares e Língua encantada Andrea Sousa.

João Grilo, como Pedro Malazartes, é personagem comum da tradição oral  e dos contos populares brasileiros. Segundo a pesquisadora Evelin Guedes, ambos provém da tradição ibérica mas adaptaram-se à cultura brasileira, tornado-se ainda mais astutos e malandros por aqui, vencendo as adversidades e desafiando os mais fortes, cultos, ricos ou poderosos com criatividade, bom humor e ironia. João Grilo ficou famoso na peça teatral escrita por Ariano Suassuna em 1955, Auto da compadecida, adaptada para o cinema e mini-série de TV.

Mais informações no artigo A “Dialética da Malandragem” em Lalino Salãthiel e João Grilo: http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/12/ArtigosEnsaiosEvelinGuedes.pdf

Foto: 

Mantenha-se conectado ao Contar Histórias no Facebook: 

Posts Relacionados