Carol Brunharo, minha esposa, grávida de 4 semanas em 26-03-23, no Parque do Povo. Foto: Fabio Lisboa |
A (minha) verdade sobre o Coelhinho da Páscoa e o (nosso) Imaginário Infantil - e a expectativa ao virar pai
Por Fabio Lisboa
Sempre tive fascínio por histórias bem escritas, bem contadas, bem vividas. E melhor ainda se tivesse contato com estas histórias de perto - fosse pela voz de minha mãe, meu avô ou da "tia" Regina (minha professora do Jardim da Infância!). Melhor ainda se eu pudesse encontrar alguns dos personagens destas histórias de perto!
Hoje percebo que encontrei de perto um deles ao conviver com o meu avô - que praticamente misturava suas histórias de vida com as de personagens tradicionais (como Pedro Malasartes, João Grilo e Nasrudin). Mas, pra mim, o vô Luís era bem mais esperto e mais palpável que todos eles juntos e me lembro até hoje do toque nos seus cabelos brancos e do seu bigode fazendo cócegas na minha bochecha quando ganhava um abraço reconfortante depois de uma história de pular de susto ou dele ganhar de mim no jogo de damas. Assim, o tempo voava com meu avô e outros adultos amados dando voz a sereias encantadoras ou a amedrontadora risada da cuca, dando perna para o saci pular, cabeça para a mula-sem-cabeça assustar e um coração valente para heróis e heroínas pulsarem destemidos vencendo perigos!
Já alguns destes personagens que, até hoje, só aparecem em certas épocas do ano, não podemos deixar de confessar que, às vezes, nos parecem fantásticos demais pra serem de verdade! Alguns adultos até “ensinam” pras crianças que eles são “de mentirinha”! Isso até que você receba a visita deles! Daí não tem como não acreditar! Não que em algum momento eu os tenha visto ou tocado de fato. Mas claro que os vi com os olhos da imaginação! E eles tocaram pra sempre o meu coração! Provas irrefutáveis que o faz de conta é real e conta muito!
Além do que, no Natal, alguns presentes materiais estavam lá pra comprovar que o Papai Noel havia passado pela minha casa - mesmo não tendo chaminé e nem sequer um telhado apropriado pra pouso de trenó por se tratar de um apartamento em um prédio cheio de antenas no topo! Naquela época mágica de infância alguns presentes imateriais como o Amor Incondicional também comprovavam o nascimento do Menino Jesus! Na Páscoa, numa família cristã como a nossa, o renascimento de Cristo era sentido na alma de cada um e a época respeitada, fosse ouvindo recontos de leituras sagradas, fosse cultivando o silêncio, andando com desconhecidos na mesma direção numa procissão, lavando pés, não comendo carne ou outros ritos que aos poucos eu tentava entender.
Todavia, além dos mistérios impalpáveis e sacros de um tempo antigo, me preocupava em entender o aqui e agora dos tempos modernos de minha infância - sentia o sincretismo do sagrado com a capitalismo e queria satisfazer meus desejos carnais, por exemplo, degustando algo que os astecas já chamavam de néctar dos deuses! Me intrigava como, mesmo tendo uma mãe nutricionista que regulava sabiamente a pouca quantidade de chocolate ingerida ao longo do ano, nesta época, eu e meu irmão menor tínhamos uma quantidade extra do tal néctar divino ampliada ao cubo, ou melhor, uma quantidade aumentada ao tamanho de um Ovo de Páscoa!
Tudo bem que no começo não era a mamãe que nos deixava o chocolate e sim o próprio Coelhinho da Páscoa! Tudo bem que coelho não bota ovo, muito menos de chocolate, isto eu já sabia. Acontece que estes mitos e ritos - que pra alguns viram de fato experiências de vida - de infância eram (e, pra muitos, ainda são) realmente fascinantes e intrigantes.
Na minha época não tinha enciclopédia Barsa que desvendasse questões assim. Ou, que eu saiba, eu não era sabido o suficiente pra saber procurar em casa ou na biblioteca as respostas.
Hoje em dia, se as crianças (e adultos tentando responder às crianças) fizerem as perguntas certas talvez caiam num blog de Contar Histórias e espero que obtenham algumas respostas - ao menos, suavemente - satisfatórias.
Não sei qual era a sua maior dúvida - apesar que espero que um dia me conte - mas eu sempre me indaguei como o tal Coelhinho da Páscoa conseguia passar em todas as casas de todas as crianças do planeta em apenas poucas horas numa manhã de domingo? A mesma pergunta inquieta valia pro Papai Noel na noite de Natal! Tudo bem que coelhos são mesmo rápidos e Papai Noel (apesar de velhinho) anda de veloz trenó voador puxados por renas encantadas!
Mas vamos responder (pelo menos esta questão) logo, sabe como? Sabe como estes personagens fantásticos arranjam tempo pra tudo isso numa noite ou numa manhã só?
Porque ambos, Papai Noel e Coelhinho da Páscoa, assim como outros personagens de “um outro tempo”, ainda vivem aqui e agora no tempo do era uma vez, como dizem nos contos de fada em inglês “once upon a time”, ou seja, num tempo além do tempo, nos tempos do “era uma vez”…
Estes personagens (ajudados por expressões encantatórias como esta que acabamos de - e nunca deixaremos de - recitar) tem o poder de lidar com o tempo de uma forma diferente. Conseguem congelar momentos mágicos pra sempre e também o fazem pra ganharem tempo e conseguirem, assim, atender a todos (e com tempo de sobra), ou seja, conseguem cumprir a sua missão e ainda responder cartinha, tocar sino, e, no caso do Coelhinho, deixar pegadinhas, fazer ninho e esconder ovos de chocolate nos lugares mais inusitados.
Que pena que este tempo tão encantado parece durar tão pouco quando somos crianças. Bem, isto em termos de tempo cronológico pois as memórias ficam pra vida toda e, logo, aquele curtos anos dourados logo se alargam até o nosso tempo de adultos e, imagino que, mesmo velhinhos, ainda guardaremos no coração o poder de lembrar, imaginar e passar adiante nossas tradições vindas do imaginário. Como faziam nossos avós! Ou bisavós, tataravós e assim por diante, ou melhor, e assim de trás pra diante.
Veja só que interessante, porque, de todo modo, você já foi criança e sabe que até na infância as crianças ainda podem conseguir um certo prolongamento do próprio tempo, com a ajuda - ou não - dos adultos. Preferencialmente, com a ajuda deles! Porque conforme as crianças vão ficando grandes, o Coelhinho da Páscoa vai parando de passar - mais ou menos na mesma época que o Papai Noel para - mas daí ambos, cada um na sua época, passam o bastão e ensinam direitinho os pais e/ou demais adultos responsáveis interessados a como agir na Páscoa ou no Natal e, assim, dar continuidade a tradição familiar.
Na minha época de criança, o Coelhinho da Páscoa escondia os ovos em lugares bem óbvios. Até porque se fosse muito difícil meu irmão menor não acharia nada e o dito cujo era sempre muito generoso e justo. Me refiro ao coelhinho! Ah, pensando bem, ao meu irmão também! Mas o coelhinho era mais mágico, mais fofo e mais surpreendente! Teve ano em que deixou os ovos escondidos em um ninho de palha. No entanto, ainda melhor e mais inacreditável que o coelhinho, era a minha mãe, tanto pra brincar de esconde-esconde quanto para esconder ovos! Me lembro até hoje de uns lugares difíceis que ela cuidadosamente escolheu assim que assumiu a função do Coelhinho oficial.
Num ano, sem saber, nos ensinou a “pensar fora da caixa” já que, pra achar os ovos, tivemos que abrir a janela do apartamento pra encontrar o ovo do lado de fora (e ainda bem que não estava nem chovendo e nem muito sol pois encontramos o ovo ainda em forma de ovo)! Outro ano nos ensinou intuitivamente sobre criatividade e pares de opostos pois encontramos um ovo onde menos se espera, num lugar quente demais pra quem prefere temperaturas amenas! No forno! Obviamente não ligado! Mas aquele insuspeito esconderijo me fez pensar que mesmo em lugares perigosos o nosso presente pode estar - se o ponto de fusão do chocolate é 34 graus imagine o que um ovo de Páscoa estaria fazendo dentro de um fogão?! Genial! De fato: o Coelhinho da Páscoa ensinou direitinho a minha mãe!
Agora, no ano que vem (em pleno 2024!) imagine a minha emoção (aos quase 50 anos!) ao saber que o Coelhinho da Páscoa vai me visitar de novo! Porque no ano que vem virá esconder os ovos para o meu primeiro filho!
E tenho certeza de que, ao longo dos anos, eu e minha esposa, Carol, vamos aprender direitinho o ofício com o Coelhinho (e com o Bom Velhinho e tantos outros) a fim de passar adiante a tradição e a vivência real de personagens queridos que povoam o imaginário das crianças - e algumas tem o privilégio de viver isto na pele (ainda que nunca cheguem a tocar de fato nalgum deles).
Assim como sinto um calorzinho gostoso de ter vivido e te confidenciado tudo isto (e espero que lhe tenha trazido boas recordações e ações cotidianas também), me sinto entusiasmado de, em breve, ajudar meu filho nestes primeiros passos em viver o mundo imaginário, assim como, tanto ao distinguir um de outro quanto a ter a experiência de ambos se mesclarem em momentos tão especiais quanto o da Páscoa e do Natal. Mas a experiência natalina a gente deixa mais pro fim do ano. Por enquanto: Feliz Páscoa!
Que a simbologia da ressurreição (de Cristo para os cristãos, da liberdade de um povo não mais escravizado para os judeus e de esperança pra tantos povos) se renove e que a ressurreição do imaginário seja eterna para as crianças! Que possam continuar contando com adultos capazes de lhes contar e recontar - viver e reviver - lendas, mitos, fantasias e aventuras de verdade rumo a um mundo mais doce, generoso, amoroso, compassivo, pacífico e fantástico de se viver de verdade.
Fabio Lisboa
8/4/2023
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