Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Papai Noel existe?



 

 Página editorial do jornal "The New York Sun", publicada em 1897

Nós temos o prazer de responder à carta abaixo, expressando ao mesmo tempo nossa gratidão por sua autora estar entre os leitores fiéis do The Sun.

Carta Original de Virginia O´Hanlon. Fonte: Wikipedia / The N. Y. Sun
 Eu tenho 8 anos. Alguns dos meus amiguinhos dizem que Papai Noel não existe. Meu pai sempre diz, “se estiver no "Sun", então existe”. Por favor, diga-me a verdade: Papai Noel existe?

Virginia O´Hanlon

Virginia, seus amiguinhos estão errados. Eles têm sido afetados pelo ceticismo de uma era marcada pela descrença das pessoas.

Eles não acreditam no que não vêem. Eles não acreditam no que suas pequenas mentes não podem entender. Todas as mentes, Virginia, são pequenas, não importa se são de crianças ou de adultos.

Neste nosso grande universo, o homem é um mero inseto, uma formiga, quando seu cérebro é comparado com o infinito mundo ao seu redor, ou quando ele é medido pela inteligência capaz de absorver toda a verdade e conhecimento.

Sim, Virginia, Papai Noel existe.

É tão certo que ele exista, como existe o amor, a generosidade e a devoção, e você sabe que tudo isso existe em abundância para dar mais beleza e alegria a nossas vidas.

Ah! Como o mundo seria sombrio se Papai Noel não existisse! Seria tão triste como se não existissem Virginias. Não haveria então a fé das crianças, a poesia, nenhum romance que tornasse tolerável a existência. Nós não teríamos nenhuma felicidade, exceto em nossos sentidos. A luz acesa com a qual as crianças enchem o mundo estaria apagada.

Não acreditar em Papai Noel! É como não acreditar nas fadas.
Você deveria pedir ao seu pai que contratasse muitos homens para que eles vigiassem todas as chaminés, e assim você pegaria o Papai Noel, mas, mesmo que você não o veja descendo por uma das chaminés, o que isso provaria?

Ninguém vê Papai Noel, mas não há nenhum indício de que ele não existe. As coisas mais reais deste mundo são aquelas que nem as crianças e nem os adultos podem ver. Você já viu as fadas dançando no campo? Claro que não, mas não existem provas de que elas não estão lá. Ninguém pode compreender ou imaginar todas as maravilhas do mundo que são invisíveis e que nunca poderão ser admiradas.

Você quebra o chocalho de um bebê e vê o que faz o barulho por dentro dele, mas existe um véu que cobre o mundo invisível, que nem mesmo o homem mais forte, nem mesmo a união das forças dos homens mais fortes do mundo poderia rompê-lo.
Apenas a fé, a poesia, o amor e a imaginação podem abrir esta cortina, ver e pintar a beleza sobrenatural e a glória que estão por trás dela. E tudo isso é real?

Ah, Virginia, em todo esse mundo não há nada mais real e permanente.

Não existe Papai Noel? Graças a Deus que ele vive, e que viva para sempre. Daqui a mil anos, Virginia, ou daqui a cem mil anos, ele continuará a trazer alegria para o coração das crianças.

Francis Pharcellus Church, 1897, The New York Sun





E o poder das histórias existe?

Por Fabio Lisboa

Este texto acima é o editorial de jornal mais republicado no mundo em todos os tempos na língua inglesa. Até hoje, em 2016, ao completar 119 anos desde a sua criação, suas palavras continuam atuais. Palavras ressaltando as qualidades de acreditar em Papai Noel para uma menina de 8 anos, não invalidam a fé cristã ou de qualquer outro credo, religião ou filosofia. Acreditar em Papai Noel talvez seja creditar poder nas histórias.


Quem já não se emocionou e sentiu a força mágica de receber o presente que tanto queria de forma misteriosa, envolto no espírito natalino. Meus pais mesmo, sempre arranjavam um jeito de facilitar a visita do Papai Noel – que na minha época, não morava nos shoppings - e só se via na imaginação ou nos livros ou filmes da TV... E o presente tão esperado (isso mesmo, os pais ainda conseguiam ensinar as crianças a esperarem um ano por um brinquedo) que ele trazia, encantava e era usado indefinidamente, sendo que, se não quebrasse, passava de irmão para irmão e até de geração a geração. Bem, os tempos são outros, de ostentação e escassez; de consumismo e obsolescência programada da felicidade.Mas também de economia criativa, sustentabilidade, cultura de paz, esperança.

Quem já não se sentiu transformado e inundado de alegria ao receber ou visitar uma instituição que cuida de menores visualizando uma roupa vermelha brilhante no corpo, presentes na mão, sentindo corações aquecidos e esperançosos... Quem nunca sentiu isso, recomendo que o faça, sempre é tempo, nem que seja acompanhando os filhos, netos ou amiguinhos, os nossos olhos não veem o outro da mesma forma depois de uma experiência dessas.

E quem já não se emocionou e sentiu a força movente que tem com os incontáveis recontos de Natal, desde as histórias sagradas do nascimento de Cristo e da festa das Luzes judaica, assim como a dos fantasmas dos Natais passado, presente e futuro fazendo a vida do velho sovina Scrooge mudar, a conhecer a verdadeira história de Papai Noel e de Rodolfo, a rena do nariz vermelho, até os especiais de fim de ano de Snoopy com todos torcendo pra Charlie Brow ganhar um presente, nem que fosse imaterial, com o amor da garotinha Ruiva e a amizade de seus colegas ou, ao menos, o companheirismo de seu cão. Apoiados nas palavras do apóstolo João, de Baal Shem Tov, Dickens, Shulz, May ou Church, somos capazes de enxergar um mundo melhor e caminhar rumo a este.

Para nos fazer ver lindas estrelas cadentes no céu e nos incentivar a por as mãos na terra para plantar majestosas árvores (inclusive, as de Natal), é relevante o trabalho do escritor ao escolher bem as histórias que escreve, o trabalho do contador de histórias ao escolher os contos que conta, é importante o dia a dia dos pais, avós e educadores ao escolherem o que expõe aos filhos e educandos, e o dia a dia dos ouvintes, leitores e telespectadores ao escolherem o que ouvem e veem e, no fim das contas, fazem.

Vejam só o poder da palavra: “Sim, Virgínia, existe....”[1] tornou-se uma expressão conhecida na língua inglesa para denotar que algo aparentemente difícil de acreditar exista mesmo, de fato. E qual o poder das histórias? Ora, desde o princípio da humanidade, está provado que existe esse poder das narrativas de nomear, de mesmo materializar o idealizado, utópico, fantástico, poder que, portanto, pode criar a beleza. Este poder, se bem usado, torna-se palpável e duradouro.

Para abrir as primeiras décadas de um novo - realmente novo - milênio, precisamos de crianças perguntadeiras, de Virginias que, como a Virginia O´Hanlon real (1889-1971), continuem pelo resto da vida em busca de fé, esperança, poesia, amor e imaginação no mundo. Precisamos de adultos de ouvidos abertos e atentos que respondam à crianças perguntadeiras - como fez o editor Francis P. Church, do the Sun - com o coração puro e a mente livre e esperançosa.

Muitos anos depois de sua pergunta inquietante ter recebido uma resposta delicada, a menina curiosa se tornou uma excelente professora, diversas vezes homenageada. Ao longo da vida, recebeu cartas de crianças e adultos e sempre fez questão de responder uma a uma, incluindo também uma cópia da resposta do jornal à sua pergunta de quando tinha 8 anos.

Sim, o poder das histórias existe.

“Ah, Virginia, em todo esse mundo não há nada mais real e permanente”, nada mais real e permanente do que uma história bem contada - e vívida - como a sua. E uma história bem contada puxa outra. E uma bonita história, ao ser contada e imaginada, logo torna-se real. Então, se queremos um mundo real mais belo, Virgínia, continuemos contando histórias, pondo fé em seu poder transformador e acreditando, sim, que Papai Noel existe.

Por Fabio Lisboa

 









Fontes principais (em inglês) e imagens
Wikipédia:




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[1] A expressão idiomática original é “Yes, Virginia, there is (a)...”

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