Era
uma vez, há muito tempo na África, no reino Monomotapa, um rei que era
conhecido por buscar sempre a justiça e a verdade. Esse rei possuía um anel
poderoso. Diziam que com o anel o rei podia enxergar a verdade até mesmo por
trás de palavras falsas. E com a ajuda do poder do anel, a justiça sempre saia
triunfante.
O
anel havia sido forjado por artesãos de outros tempos e acompanhava os reis desde
então. Era feito de ouro do rio Nilo, incrustrado com adornos de prata do rio
Congo e cravejado de diamantes do rio Zambezi. O anel, assim como rei,
representava a união de várias tribos da África, em especial das regiões que
hoje conhecemos como Zimbábue e Moçambique.
Os
chefes espirituais das várias tribos, que eram os responsáveis pela escolha do
rei Monomotapa, viviam em certa harmonia, com exceção de Roswi, que não havia
escolhido aquele rei, que questionava o seu poder e cobiçava o seu anel.
O
rei só tirava o anel quando tomava o seu banho cerimonial. Ele era levado pelos
servos e familiares até um pequeno afluente do rio Limpopo, onde havia uma bela
cachoeira e a mata virgem em volta – com lugares perfeitos com tocos e troncos
de árvore ocos dentro dos quais o rei podia esconder o seu precioso anel. Ninguém
– nem o filho do rei - sabia onde o monarca escondia o seu anel de poder.
Acontece
que um dia, depois do banho, o rei vestiu suas roupas e procurou a sua joia no
lugar secreto mas não encontrou nada. O anel foi roubado? Quem faria isso? Será
que esta pessoa ganharia o seu poder e se tornaria rei? Ou derreteria o anel e
venderia o outro, prata e diamantes? Será que isso traria desgraça e separaria
as tribos do reino Monomotapa? Quem possuísse o anel também começaria a possuir
o seu poder? Seria, como ele, um senhor da verdade e da justiça? Mas um ladrão
poderia ser justo e verdadeiro? E o povo, assim que descobrisse o sumiço, se
revoltaria achando que o rei estaria fraco e não seria mais justo?
Bem,
filosofias à parte, o rei, que era muito prático, pensou que as perguntas mais
urgentes eram: Afinal, quem era esse maldito ladrão? Como encontrar alguma
prova contra ele e assim obriga-lo a devolver o furto?
Para
encontrar as respostas o rei foi sabido: pediu a ajuda de um sábio. Este
chamava-se Zafusa. O sábio ouviu pacientemente toda a história. Fez perguntas
para descobrir quem teria interesse no sumiço do anel e no enfraquecimento do
rei.
Ficou
um bom tempo com o olhar fixo, pensativo, até que, por fim, Zafusa contou ao
rei a sua ideia. Este fez uma cara um tanto incrédula.
-
Mas Zafusa, estes gravetos mágicos funcionam mesmo?
-
São infalíveis, meu senhor.
No
dia seguinte, o rei fez conforme fora instruído. Reuniu todos os chefes
espirituais e deixou Zafusa lhes explicar sobre o sumiço do anel e o que seria
feito para recuperá-lo. O sábio concluiu suas palavras assim:
- Então cada um de vocês, por favor, pegue um graveto da justiça. Eles são mágicos, mas se vocês não têm culpa, não têm o que temer.
E
ouvindo estas palavras, todos se prontificaram a pegar um graveto.
-
Agora, se há um culpado entre vocês, o graveto deste irá começar a crescer.
Tragam de volta amanha os gravetos da justiça para a cabana do rei e, chegando
aqui, se algum estiver mais comprido do que o dos outros, saberemos quem é o
culpado. Neste caso, este terá que devolver o anel e pedir clemência ao rei.
Vamos todos nos retirar e ter uma boa noite de sono – isto, é claro, para todos que estiverem com a consciência
tranquila.
Quase todos, inclusive Zabula, descansaram bem. Quem fechou os olhos mas não conseguiu desligar a mente foi o rei - duvidando que algum graveto cresceria mesmo durante a noite - e o chefe espiritual da tribo de Roswi - preocupado com que o seu graveto de fato crescesse.
Na
verdade, o chefe Roswi não dormiu tranquilo porque o anel estava realmente em
seu poder. Por mais que a sua motivação em busca de justiça e verdade ao se
apossar do anel fosse nobre; a sua ação para obter essas virtudes, havia sido
podre.
A
mente de Roswi ficou contaminada. Assim que se viu sozinho naquela noite, mediu
o cumprimento do seu graveto para ter certeza de que não aumentaria. Mas quando
acordou, já não estava certo se sua memória, assim como seu caráter, não o
traíra. O graveto agora parecia nitidamente maior! Talvez tivesse crescido à
noite no caminho até a sua cabana, antes mesmo dele ter a chance de fazer a
medição!
Olhou
melhor, de vários ângulos. Não lhe restava dúvida, o graveto era mesmo mágico:
havia crescido! Ele seria considerado culpado! Mas antes de ir se entregar,
teve uma ideia para eliminar a sua culpa: cortou um pedaço do graveto! Pronto,
agora sim, ele estaria igual ao dos outros.
E
lá foi o homem culpado em direção à cabana do rei, achando, momentaneamente,
que não carregava mais a culpa com ele. Todavia, chegando lá, foi exatamente o
oposto que ocorreu, o peso da culpa caiu sobre os seus ombros.
Quando
todos mostraram os gravetos, havia um menor, era o graveto do chefe Roswi.
Zabula explicou:
-
Por isso, esses gravetos da justiça são “mágicos”. Quem carrega consigo a
culpa, não consegue tentar parar de escondê-la, acaba cortando um pedaço do
graveto e uma hora ou outra, querendo ou não, deixa transparecer que é culpado.
O chefe Roswi obteve o perdão do rei, que continuou liderando as suas várias tribos como um só povo, um povo que, por sinal, até hoje, continua, mais do que nunca, em busca de verdade e justiça na África.
Reconto em homenagem ao grande líder africano
Madiba:
“Perdoem. Mas não esqueçam!”
“Em nome da lei, fui tratado como um criminoso. Não
pelo que eu fiz, mas pelas coisas que defendi, por minha consciência.”
“Não se esqueça de que os santos são pecadores que
continuam tentando.”
“A educação é a mais poderosa arma pela qual se
pode mudar o mundo.”
“Eu não me importo com o que os outros pensam sobre
o que eu faço, mas eu me importo muito com o que eu penso sobre o que eu faço.
Isso é caráter.”
“A morte é inevitável. Quando um homem fez o que
considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz.”
Nelson Mandela (1918 -2013)
Referências
Conto
inspirado na versão de Jay Heale em: Meus Contos Africanos – seleção Nelson Mandela; tradução Luciana Garcia – São Paulo: Martins Fontes/Martins: 2009, p. 109-112.
Ilustração: Teresa Williams
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História:
Os Gravetos da DiscussãoHistória: A faca do rei
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1 comentários:
Parabéns pelo excelente trabalho de divulgar e preservar essa tradição oral da sabedoria dos povos africanos.
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