Ao contar histórias, os narradores tradicionais contam quem são. Ao adentrar a floresta encantada das narrativas nos embrenhamos pelos labirintos psicológicos de nós mesmos e nesta incansável busca de nos ouvir tão de perto, tentamos nos despir de palavras supérfluas para falar da essência que vale a pena ser contada - e recontada. Queremos compartilhar as maravilhas que encontramos no coração da floresta.
Letrados ou não, profissionais ou voluntários, jovens ou anciãos, tentamos deixar a bagagem acadêmica de lado para viajar mais leves pelas trilhas e não nos perder até chegar mais perto das raízes de nossa existência. Mas não estamos sozinhos, seguimos os caminhos abertos pela humanidade há tempos e tentamos nos coligar ao presente, vendo e ouvindo o outro de perto.
Se os nossos sentidos se encontram, nós - contadores de histórias e ouvintes - respiramos o mesmo ar, cadenciado pela palavra. Aspiramos o revigorante frescor do meio do bosque dos sentidos.
E quando assim sentidas, incríveis palavras exalam o perfume da verdade. Adocicados, amargos, picantes, amadeirados, trágicos, cítricos... um arco-íris de cheiros que nos possibilitam estufar o peito com um ar ritmado, inspirando o que somos e expirando o que aspiramos ser, assoprando nos ouvidos uma sutil transparência de sonhos de todas as cores chamada “conto”.
Assim, neste adentrar o “eu” do conto e descobrir o “nós” da palavra, nos vimos nus sem constrangimento, falamos com verdade e ouvimos de verdade. Sem nos tocar, estamos, de fato, conectados. No silêncio, dialogamos. Olhamos juntos para o que pode ser real, para o que pode ser belo e fantástico no meio da mata.
Ao ouvir o outro e narrar o nós, buscamos aquela escuta pura e bela de que fala o poeta: Ouvir a orquestra silenciosa da floresta (e só ouvir sem imaginá-la orquestra, só ouvir, verdadeiramente ouvir, como diria Alberto Caeiro, ouvi-la floresta). A difícil arte de ouvir sendo mestre sem ser maestro, sem impor a nossa partitura nas palavras do outro, sem engaiolar com nossa melodia o canto dos pássaros, sem achar que a natureza é só nossa.
Ao entrar nesta floresta aberta a todos dos contos, chegamos mais perto de nossas raízes ancestrais, mais perto de desfrutar do verde que plantamos e de semear o amanhã mais verdejante.
Assim contamos, assim somos, assim aspiramos ser, pais, mães, avós, avôs, professores, mestres, contadores de histórias, desbravadores de trilhas, guardiões de florestas.
por Fabio Lisboa - Texto inspirado em “resíduos conceituais” da aula inaugural de Giuliano Tierno / curso de pós-graduação lato sensu A Arte de Contar Histórias: Abordagens poética, literária e performática, abril/2012.
Foto: Robin Halioua/Getty Images
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2 comentários:
Adorei seu texto,é somos assim.
Marcia Santos
(Pós)
Comovente! Belamente escrito e expressivo da magia do conto do contador do ouvir e do mergulhar na floresta.
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