Por Luís
Fernando Verísssimo
Uma
donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do riacho
passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de
diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em
casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de
diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margarida. O
pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem
dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a
donzela disse:
- Agora
me lembro, não era um homem, eram dois.
E o pai e
os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontraram, e o
mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse:
- Então
está com o terceiro!
Pois se
lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela
saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o
mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o
revistaram, e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para
espanto dela.
- Foi ele
que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo, e a deixou desfalecida -
gritaram os aldeões. - Matem-no!
-
Esperem! - gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu
pescoço. - Eu não roubei o anel. Foi ela quem me deu!
E apontou
para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem
contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se
aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a
roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas
como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter
paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a
donzela lhe oferecera o anel, dizendo "Já que meus encantos não o seduzem,
este anel comprará o seu amor". E ele sucumbira, pois era pobre, e a
necessidade é o algoz da honra.
Todos se
viraram contra a donzela e gritaram: "Rameira! Impura! Diaba!" e
exigiram seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu
pescoço.
Antes de
morrer, a donzela disse para o pescador:
- A sua
mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela
sua. Onde está, afinal, a verdade?
O
pescador deu de ombros e disse:
- A
verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria
nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.
Por Luís Fernando Verísssimo
Diga-se
de passagem, este conto de Veríssimo é o oposto do caminho que segue o contador
de histórias que não mente mas sim, busca, a partir de suas palavras
encantatórias, as verdades mais profundas, belas e surpreendentes, como a das
encontradas nos contos da tradição oral. Bem, que às vezes, confesso, parecem
até mentira! Como podemos conferir nos Posts Relacionados abaixo. Boa leitura!
Fabio Lisboa
Referências
VERÍSSIMO,
Luis Fernando - Comédias da Vida Privada: Crônica escolhidas - LePM Editores -
1996, p. 315.
Texto
selecionado por Bia Bedran em sua recomedadíssima obra:
A arte de
contar e cantar histórias – Ed. Nova Fronteira.
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