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A Verdade chega à cidade



Reconto de Fabio Lisboa baseado na versão de Clare Murphy

Era uma vez uma velha que há muito tempo era menosprezada numa cidade ávida por novidades. A mulher ficou tão esquecida por todos que começou a passar fome. Ficava mendigando pelas ruas em busca de alimento e quem sabe um pouco de atenção.

Naquele dia, decidiu bater nas casas. As pessoas quando viam o estado da mulher diziam logo:


- Não temos dinheiro!
- Não temos comida!
- Não temos tempo!

A mulher mal começava a contar a sua verdadeira situação de injustiça e esquecimento e quem a recebia apenas fingia ser educado mas, na verdade, queria que a velha sumisse da sua frente logo:

- Desculpe, não tenho nada!
- Não tenho!
- Agora não.

Foi aquele não-não-não o dia todo. No fim da tarde ela se sentou no meio da praça central da cidade e fico apreciando o movimento, ainda com esperança que alguém olhasse pra ela e se compadecesse. Mas que nada! Os olhos começaram todos a se voltar para uma formosíssima dama que chegava à cidade, montada em seu cavalo branco, vestindo uma magnífica capa.

Assim que a formosa dama adentrou a praça, todos foram se ajuntando em volta dela e começaram a lhe oferecer moedas de ouro. Os moradores saíram de suas casas e começaram a lhe levar as mais deliciosas iguarias.

Dali a pouco estavam todos ouvindo o que a dama tinha a contar. Ela estava muito feliz em compartilhar suas histórias. Quando a velha chegou ouviu apenas a dama terminando o que tinha de dizer assim:

- Obrigado! Vocês são muito hospitaleiros nesta cidade!

A velha não aguentou e foi sincera:

- É mentira! – disse a velha senhora. – Estas pessoas são interesseiras! Não dão a mínima para uma pobre e velha senhora como eu, enquanto você, jovem e rica, tem todas as regalias.

Depois que disse isso, a velha foi escorraçada da praça.



No entanto, secretamente, a dama montada em seu cavalo seguiu a anciã e encontrou o local onde a mulher se refugiara. Dirigiu-se a ela de forma doce:

- Está tudo bem com a senhora?
- Não, não está nada bem. Você não viu o jeito que os cidadãos me trataram! Pois fique sabendo que é assim que me tratam todos os dias.

- Mas afinal, minha senhora, quem é você?

 - Sou a Verdade.

- E por que te tratam assim?

- Eles não suportam saber que eu vivo na cidade, acham que não tenho nada de bom a revelar a eles, não querem nem olhar pra mim, querem me esconder! Não sei se você me entende...

- Entendo.

- E quanto a você, quem é? Uma princesa, uma dama tão rica que todos querem bajular?

- Não, não sou rica, nem princesa.

- Então quem é?

- Sou a História. E sabe por que me tratam bem?

- Por quê?

- Porque conto coisas maravilhosas sobre você.

- Sobre mim?

- Sim, Verdade. Mas com uma diferença...

- Qual?

A História cochichou algo no ouvido da Verdade.

- Então você, que conhece a Verdade, acha realmente que ninguém tem vontade de ouvir o que tem a dizer? Afinal, venho contando e revelando suas infinitas faces há muito tempo e as pessoas sempre querem ouvir mais.

- Sim, talvez eles queiram e precisem me ouvir, mas não sei se o seu plano dará certo, História, se os cidadãos não suportam sequer me olhar nos olhos quando falo com eles...

Mesmo em dúvida, a Verdade decidiu por em prática a ideia da História.  Pegou emprestado o seu lindo cavalo e sua capa. E disse:

- Retornarei a praça assim e lhes contarei uma história.

E assim fez a Verdade.

Quem já conheceu a verdade assim, já sabe o que aconteceu com ela: Dessa vez, todos foram hospitaleiros, deram-lhe comida, moedas de ouro e ouviram o que a sábia anciã tinha a lhes dizer. Neste dia muitos a viram de fato e se encantaram com o que viram.

E deste dia em diante, quando alguém chega poderoso montado num lindo cavalo e esse alguém é uma História vestindo uma capa, talvez, por debaixo da capa, alguns consigam olhar nos seus olhos e enxergar a Verdade.

Reconto de Fabio Lisboa baseado na versão de Clare Murphy


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