Aqui você encontra a arte de contar histórias (storytelling)
entrelaçada à empatia, mediação de leitura, educação, brincar, sustentabilidade e cultura de paz.

Palavra é Luz


Por Fabio Lisboa

"O conto é nosso guia. Sem o conto estamos cegos."
Chinua Achebe

Desde a noite dos tempos, o ser humano faz uma fogueira, gera luz e conta seus mitos, reconta suas histórias. Estas histórias ancestrais e seus infindáveis recontos talvez ainda hoje nos mostrem caminhos rumo à evolução e integração comunitária e ambiental, rumo à consolidação de uma cultura de paz e economia solidária, rumo à luz. O povo africano Ashanti, de Gana, conta que os humanos estavam com frio e medo da escuridão, até que a heróica e sabida aranha Ananse pede ajuda ao Deus celestial, Nyame, para que ilumine a terra. Nyame cria o Sol e começa a haver a luz e o calor do dia e cria a Lua e com ela vem a luz da noite. A luz de ambos, astro do sistema solar e satélite da Terra, dissipa o frio e o medo. A partir de então o homem vive o dia e o revive e reinterpreta na noite, à luz da palavra.

Desde tempos pré-históricos a humanidade reverencia o poder da luz, seja vinda do sol, da lua, de rochas, ou mesmo de reflexos cristalinos vindos de águas límpidas e também tenta encontrar e gerar as suas próprias fontes de luz.

Foi com o auxílio da luz de tochas que cavernas foram pintadas e nos revelam hoje visões de mundo de homens e mulheres que viveram há mais de 30 mil anos. Nestas pinturas rupestres, como a da caverna de Chauvet, na França, os animais ganham destaque e o homem é retratado integrado à natureza. Mas será que estas visões artísticas antepassadas também nos podem iluminar ideias de um futuro, de fato, mais luminoso, belo e sustentável?

Para a etnia indígena brasileira Bororo, a luz das estrelas são olhos de meninos, outrora travessos, a apreciar até hoje as ações dos homens na terra, em especial, essas íris infantis-estrela estão de olho nas ações de respeito à natureza e à comunidade. A Via láctea, para vários povos indígenas norte-americanos, é um caminho no céu que ajuda a locomoção noturna na terra mas é também a rota percorrida pelas nossas almas em busca da luz primordial e do reencontro com os antepassados.

A tradicional sabedoria dos povos indígenas, bem como a Carta da Terra[1], nos conclamam a cuidar de nossa de nossa casa, o planeta, deixando-o preservado para as futuras gerações e também a cuidar de nossa cultura, preservando nossas histórias e conhecimentos tradicionais. O novo conceito de sustentabilidade[2] envolve um tipo de economia respeitadora dos limites de cada ecossistema e da própria Terra, uma sociedade que busca a equidade a justiça social mundial e um meio ambiente suficientemente preservado que possa atender as demandas humanas atuais e futuras. Juntos, resvalando-se, o tradicional e o novo, a prática e o conhecimento, podem gerar luz à mente de todos nós.

Ao ler e refletir sobre as junções de ideias contidas neste texto, você precisa da luz para enxergar as letras no papel ou numa tela. Mas precisa de luzes internas também. Ao pensar, entender o que lê, e criar conexões entre as ideias, seu cérebro cria sinapses que, por sua vez criam, em certa medida, pequenas descargas elétricas, pontes de luz entre os neurônios.


Dessa forma, ao ler ou ouvir uma história, você cria imagens mentais, você cria luz própria:

Um mestre sufi chamado Nasrudin dizia que podia enxergar no escuro. - Mas mestre, disseram a ele, todas as noites vemos você carregando uma lamparina. - Claro, respondeu Nasrudin - é para que os outros, que não enxergam no escuro, não trombem em mim.


Esse pequeno conto, esse ponto de luz, agora, passa a ser seu na medida em que você o recriou a seu modo e o interpretou a partir de suas experiências e de seu repertório cultural. A partir daí, você pode visualizar um ponto mais ou menos iluminado, um mestre sábio ou tolo. Pode entender este personagem como um homem charlatão e engraçado - pois mente ao dizer que enxerga no escuro - ou generoso e empático - pois está preocupado com o bem estar físico alheio e, mesmo sem precisar, carrega consigo um instrumento para iluminar o caminho... dos outros.

Então as luzes das histórias são metafóricas. Mas essas luzes aparentemente imaginárias podem se materializar em projetos reais para o mundo.

A partir do momento em que nos sentimos conscientes da importância da leitura e da escuta de histórias, podemos propor a ampliação destas práticas em nosso âmbito familiar, escolar e profissional.

Quem tem contato com histórias não aprende só a ouvir mas a dialogar, portanto, está propenso a ser menos violento, mais tolerante, e a tentar compreender seu o interlocutor, mesmo que este tenha ideias adversas ao ouvinte. Quem lê sabe que o desenvolvimento de qualidades como essas e como a empatia se dão de forma natural pois nos acostumamos a pensar e entrar na mente de cada personagem, logo, aprendermos a nos colocar no lugar do outro e, consequentemente, a respeitar as diferenças.

Tendo isto em vista, chegamos a ideia de que a universalização do acesso à educação, em especial, do acesso à leitura e da escuta de histórias  contribui para formar indivíduos que visualizam um mundo mais compreensivo, mais pacífico e que, por conseguinte, constroem uma cultura de mundo assim.

E podemos começar esta construção cultural pelo âmbito pessoal, buscando textos bem elaborados, histórias engrandecedoras e brilhantes, pirilampos em meio ao breu de um matagal escuro de notícias trágicas e histórias sem nada além de temas facilmente vendáveis como violência e sexo. 

Mesmo em meio à escuridão cultural, não estamos sozinhos nessa busca por luz. Somos milhões de leitores e ouvintes tateando em torno de boas histórias a serem garimpadas, vistas, contadas e retransmitidas. E mais, podemos contar com a conexão da palavra entre nós. Porque mesmo contado em línguas diferentes, o conto pode nos unir e nos guiar por uma via social e ambientalmente harmoniosa.

Talvez não por acaso as tradições indígenas tenham em comum o cuidado e mesmo a veneração pela natureza de todo o planeta Terra, a que muitos povos como os andinos chamam de Mãe Terra. E a Mãe Terra, viva, pulsante, generosa, provedora, conta com o respeito de seus filhos, todos nós que, junto com os animais e plantas, fazemos parte desta irmandade terrestre. Mas como o homem moderno, muitas vezes distante dos recônditos naturais, recoberto do cinza do concreto e da poluição, separado da natureza e dos outros homens pelos muros do medo, pode se reconectar com estas tradições milenares, com a Mãe Terra e enxergar novas luzes para os nossos problemas atuais?

É certo que podemos contar com a força conjunta de nossos corpos e mentes agindo todos os dias em busca de luzes. Podemos contar com a força da palavra dos contos para que acendam e ascendam as luzes de nossas consciências e assim vislumbremos, em nossos sonhos noturnos e tracemos, no raiar do dia, o delinear de uma cultura de paz e de um futuro sustentável. Ao usar bem o poder da palavra (e da escuta) podemos ser mestres carregando luzes e iluminando os belos caminhos que almejamos trilhar.


Fabio Lisboa


DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Mario Quintana[3]

“A palavra pode ser mais calorosa e luminosa do que o fogo.”
Fabio Lisboa

Referências

Foto: Hotspot Media/Justin Ng  - Chuva de Meteoros em Java, Indonésia

Carta da Terra - Documento nascido na sociedade civil mundial, fruto de uma vasta consulta de mais de quarenta países, vinda de todos os setores da sociedade, a Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século XXI, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica.

BOFF, Leonardo - O cuidado necessário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade - Petrópolis, RJ, editora Vozes, 2012, p. 20.

LISBOA, Fabio - Contar Histórias: Olhar para a empatia, vislumbrar a paz – Artigo pós-graduação A arte de Contar Histórias: abordagens poética, literária e performática.

QUINTANA, Mario. Espelho Mágico. Porto Alegre: Editora Globo, p. 195.


2015 Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas em Luz

International Year of Light and Light-based Technologies – IYL 2015 http://www.light2015.org/Home.html

Contação de Histórias:
Repertório em homenagem ao Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas na Luz da UNESCO (2015):

Palavra é Luz
As palavras desta sessão de contos farão nossos olhos brilharem. Veremos o mundo pelos olhos do mestre que enxerga no escuro. Desvendaremos qual é o exato momento em que a noite termina e o dia começa. Entraremos junto com um menino no Beco Escuro e, com ele, tentaremos encontrar o caminho de volta pra casa, de volta para a luz. A nossa jornada termina com uma história inspirada num mito de criação aborígene que faz cintilar o Tempo dos Sonhos.

Próximas apresentações:
Escola Tarsila do Amaral: 24-9-15 (fechada para alunos e pais)
Sesc Santana: 26-12-15, às 16h,  (abertas e gratuitas): Av. Luiz Dumont Villares, 579, Santana, São Paulo, SP.


[1] Carta da Terra - Documento nascido na sociedade civil mundial, fruto de uma vasta consulta de mais de quarenta países, vinda de todos os setores da sociedade, a Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século XXI, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica.
[2] BOFF, Leonardo - O cuidado necessário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade - Petrópolis, RJ, editora Vozes, 2012, p. 20.
[3] QUINTANA, Mario. Espelho Mágico. Porto Alegre: Editora Globo, p. 195.

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