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De Patinho Feio a Cisne

O amor,
o pertencimento e o sentido
forjando a resiliência infantil



















(baseado nos pressupostos teóricos de Boris Cyrulnik)



Quem consegue encontrar em si uma beleza verdadeira? Entre dois órfãos que sentiram logo cedo uma horrível sensação de abandono, quem teria mais chances de um dia se ver belo... A linda loira que virou diva ou o homem feio que virou cisne? Quais os pontos em comum e o que diferencia a história da atriz e cantora Marilyn Monroe (aquela da famosa cena cinematográfica da saia esvoaçante que flertou até com o Presidente dos Estados Unidos) e do escritor Hans Christian Andersen (um amante discreto que talvez até não tenha lidado bem com sua sexualidade, autor do clássico infantil “O Patinho Feio”)?

Quem deles teve a chance de forjar na infância uma couraça protetora chamada resiliência (a capacidade de se recuperar após acontecimentos traumáticos)? Esta couraça salvadora e transformadora seria capaz de proteger o “eu-fantasma”, inseguro e abondonado, transformando-o em um “eu-belo”, corajoso e que se sente amado? O especialista em resiliência, Boris Cyrulnik, faz uma comparação reveladora. Ambos, Marilyn Monroe e Hans Christian Andersen, sofreram agressões físicas e morais e se tornaram órfãos muito pequenos. Os dois lutaram para não serem fantasmas de si mesmos, fantasmas assombrados pela falta de amor do passado. Um deles conseguiu e o outro não.

A mãe de Marilyn foi banida da sociedade por dar a luz a uma menina sem um pai oficial. A mãe não teve força suficiente para lhe oferecer um ambiente acolhedor e segurança, tanta era a infelicidade que dominava o seu mundo. A futura Marilyn passou por inúmeras famílias e vários orfanatos burocráticos onde não lhe ensinaram a amar. As trocas constantes de família de acolhimento não permitiram que a jovem organizasse à sua volta uma permanência afetiva que lhe teria permitido adquirir o sentimento de amor. Marilyn, apesar da fama e dos incontáveis amantes, não conseguiu encontrar um lugar para aquietar o seu coração. Não descobriu um sentido, um propósito maior para a sua existência e, numa de suas recorrentes depressões, acabou tirando a própria vida. Os amantes apaixonados e os milhares de fãs só conseguem ver o doce fantasma criado pela atriz. Cegos por tanta beleza, até hoje não conseguimos ver o real fantasma de seu imenso desespero. Boris Cyrulnik ressalta que “a atriz ficou sozinha na lama, para onde, de vez em quando, lhe lançavamos um diamante… até ao dia em que se deixou afundar de vez.”

Hans Christian veio ao mundo em 1805 na Dinamarca, a sua mãe tinha sido obrigada a prostituir-se pela própria mãe dela, que lhe batia e lhe obrigava a satisfazer os clientes. A filha fugiu, grávida de Hans Christian casando-se com M. Andersen. Esta mulher foi capaz de tudo para que o filho não conhecesse a miséria. Mas esta mãe protetora era também alcóolatra e depois de tanto sofrimento, assim como o pai, que foi soldado de Napoleão, morreram afundados em graves crises psicológicas. Porém, Hans Christian, nascido na prostituição, loucura e morte dos pais, mesmo enfrentando momentos de violência e miséria, nunca teve falta de afeto. Foi, primeiro, acarinhado no desejo da mãe - que queria a qualquer custo torná-lo feliz – e depois, no colo da avó paterna, onde foi ternamente educado. A pequena aldeia Odense em que viveu, na ilha verdejante de Fionie, era povoada de lendas e contadores de histórias. O mundo do pequeno Andersen, que sofria com os maltratos dos colegas e das meninas que o achavam muito feio, começou a se reorganizar a partir destas duas forças: afetividade e pertença a uma cultura. Assim, ele sairia da lama das origens para viver na luz da afetividade e se descobrir na beleza dos contos da sua cultura. O jovem Andersen, mesmo enfrentando alguns problemas no casamento e na descoberta de sua sexualidade, levaria uma vida relativamente feliz, se tornaria um grande contador de histórias e um dos maiores escritores de literatura infantil indo além de sua própria cultura e de seu tempo.

A obra mais famosa de Hans Christina Andersen, “O Patinho Feio”, é como um retrato autobiográfico, uma prova de que, ao entender e resignificar os acontecimentos de nossas vidas, podemos transformar a lama que afundamos em poesia. Do campo poético para a vida, pessoas resilientes mostram que é possível enfrentar o abondono e a carência afetiva até encontrarem sentido nas páginas de suas histórias pessoais. Ao serem nutridos com amor, histórias e resignificações, patinhos feios tem a chance real de um dia se descobrirem cisnes.

Fabio Lisboa
http://www.fabiolisboa.com.br/




Bibliografia

CYRULNIK, Boris – O Murmúrio dos fantasmas – Tradução: Sônia Sampaio, São Paulo, 1ª edição: Martins/Martins Fontes, 2004 http://www.livrariamartinseditora.com.br/descricao.asp?cod_livro=CY0169

Fotos e Ilustrações

Hans Christian Andersen (1805-1875): 1. Ilustração s/d.
2. Estátua do autor, a qual inclui um belo patinho que o ouve atentamente. Localizada no Central Park, New York, USA, criada pelo escultor João Lober Georg, revelada em 1955, a escultura serve de pano de fundo para contadores de história e projetos de incentivo à leitura. Com ou sem eventos ao redor, até hoje a estátua de Hans Christian atrai crianças que gostam de sentar no colo do escritor. http://www.nycgovparks.org/sub_your_park/historical_signs/hs_historical_sign.php?id=12332

Marilyn Monroe (1926 – 1962): 1. Foto capa da Revista PHOTOPLAY (1933)
2. Versão POP ART da atriz por Andy Warhol (Shot Orange Marilyn, 1964).

Referências bibliográficas

ANDERSEN, Hans Christian – O patinho feio - Tradução de D'AGUIAR, Rosa Freire. São Paulo: Cia das Letrinhas (esta edição inclui um apêndice explicativo da história do autor) http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40461

O Patinho Feio (p. 69) e outras obras on-line em domínio público: ANDERSEN, GRIMM, PERRAULT - CONTOS TRADICIONAIS, FÁBULAS, LENDAS E MITOS - Livro do Aluno Vol 2 - Ana Rosa Abreu, Claudia Rosenberg Aratangy, Eliane Mingues, Marília Costa Dias, Marta Durante e Telma Weisz. Edição: Elzira Arantes. Ministério da Educação Fundescola /Projeto Nordeste/Secretaria de Ensino Fundamental, Brasília, 2000. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001614.pdf

CYRULNIK, Boris – Os patinhos feios – Tradução: Mônica Stahel, São Paulo, 1ª edição: Martins/Martins Fontes, 2004 http://www.wmfmartinsfontes.com.br/

CYRULNIK, Boris – Os alimentos afetivos: o amor que nos cura – Tradução: Claudia Berliner, São Paulo, 2ª edição: WMF Martins Fontes, 2007 http://www.wmfmartinsfontes.com.br/detalhes.asp?ID=552701

POLETTI, Rosette, DOBBS, Barbara - A resiliência: A arte de dar a volta por cima - tradução de Stephania Matouseke – Petrópolis: Editora Vozes, 2007 http://www.editoravozes.com.br/

ONGs:

IPA - Associação pelo Direito de Brincar http://www.ipadireitodebrincar.org.br/
Instituto ZeroASeis http://www.zeroaseis.org/
Associação Viva e Deixe Viver http://www.vivaedeixeviver.org.br/

PALESTRA

“Hans Christian Andersen e O Patinho Feio: Romantismo X Contemporaneidade” por Fabio Lisboa http://www.fabiolisboa.com.br/

Tendo a contação da história do Patinho Feio (na tradução de Monteiro Lobato) como fio condutor, esta palestra faz um passeio pela escola literária da época de Andersen, passando pelas origens mitológicas do conceito de feio, contrapondo tudo isso a aspectos culturais e ideológicos de nosso tempo e novas versões do feio/belo.

Palestra já apresentada por Fabio Lisboa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (abril de 2008) sob a coordenação do Prof. Dr. José Nicolau Gregorin Filho.

Duração: 1:30 h

Público Alvo: Contadores de história, arte-educadores, professores de português, história, estudantes de pedagogia, letras, sociologia, história, filosofia, comunicação, teatro e demais interessados.

Mais informações e outros textos em http://www.fabiolisboa.com.br/

ou fabio.lisboa *arroba* imagineprojetos.com

(favor tirar os espaços e substituir a *arroba* por extenso pela tradicional @ - trata-se de enganar os SPAMs automáticos caçadores de arrobas : )

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